José do Nascimento | “Memórias de Outono”

Buscando memórias de Outono neste início de Inverno, as mais recentes não podem ser muito agradáveis. Há dois anos condicionados por uma pandemia, até parece que a água-pé não tem o mesmo carisma, nem as cores douradas da estação do ano, parecem as mesmas… Afinal o mesmo que tem acontecido nos últimos dois ciclos de quatro estações do ano.

Não foi só a pandemia que neste último Outono, me deixou más recordações, o estado da rua e dos passeios onde resido, na Portela de Sintra, levaram-me a carregar para casa montes de terra agarrada aos sapatos, isto se o tempo estava seco, e lama nos dias de chuva. Aliás, este já foi tema principal de uma das minhas mais recentes crónicas, mas que em resumo agora recordo:

Obras dos SMAS de Sintra, sem dúvidas necessários, obrigaram a danificar alguns passeios e rodovia na Portela de Sintra, seria inevitável, o que seria evitável é que os danos provocados estejam a demorar tanto tempo a serem reparados. Numa curta passagem profissional pelos SMAS de Sintra, passei a ter conhecimento de uma figura que dava pelo nome de “relaxe”, que no fundo era aquilo que se teria de pagar por não se ter acertado as contas a tempo e horas. Muitas vezes esse relaxe provinha, e ainda provém, de carências e dilemas do tipo: “Se pago a água, não posso pagar a renda e põem-me na rua…” Mas no meio disto, apetece perguntar: “Afinal quem é o mais relaxado? Quem não paga porque não pode, ou quem não faz o que lhe compete porque é completamente isento de vergonha?

Mas o Outono traz-me muito mais memórias, e sãos essas que me propus trazer a esta crónica:

Recuando algumas décadas no tempo, uma das primeiras coisas que ressalta da minha memória era o facto de o Outono assinalar o fim das férias e o regresso às aulas, algo que provocava emoções díspares, se por um lado marcava o fim dos mergulhos no mar da Praia Grande e o adeus ao namoro de Verão, que se sabia inconsequente, mas deixava sempre uma doce saudade, por outro lado era o reencontro com a turma onde sempre mereci boas amizades e o tornar a ver aquela, que aos meus olhos, era a miúda mais gira da turma e renasceu a esperança que seria naquele ano a vez de ver realizados os meus anseios, anseios esses que nunca vi realizados, mas que anos mais tarde obtive dela a confissão: “Tinha a mania que era boa, afinal era parva!”… Mas já era tarde!

As aulas em si também provocavam emoções dispares do tipo: “Outra vez este chato de professor!” ou então “ainda bem que tenho este professor/a”. Na segunda categoria estava Vasco Vidal que hoje tem o seu nome perpetuado numa rua da Estefânia em Sintra.

Outra memória de Outono que tem lugar privilegiado na gaveta das minhas recordações, é cheiro das castanhas assadas que saiam do assador que logo no início da estação saía da arrecadação e aguardava os passageiros que saiam do comboio no terminal de Sintra ou se postava em frente ao palácio da Vila. Era a altura de demandas ao Parque de Valenças para apanhar as castanhas que iam caindo das árvores, mas por mais que quiséssemos, nunca se conseguia fazer igual às do homem das castanhas e que levou o poeta a escrever um poema que deu canção e a dado passo reza assim: “Quentes e boas, quentinhas // Quem compra leva mais calor para casa.

Com os Santos e o S. Martinho, vinham os magustos. Lá em casa, o magusto tinha a companhia de umas broas que a minha mãe só fazia naquela ocasião, os indispensáveis figos e nozes, as castanhas que eram cozidas na companhia de um pau de canela e uma generosa porção de erva doce. Havia sempre mais um outro petisco e não faltava o arroz doce, a única guloseima que o meu pai não dispensava.

Era também no Outono que começavam os preparativos do Natal, com a apanha de musgo para o presépio e escolher o pinheirinho da árvore, isto numa altura em que já começava a cheirar a Inverno.

Muito mais memórias há do Outono, mas quando as nuvens deixam, especialmente no Verão de S. Martinho, o azul do céu é inigualável e incrível o seu contraste com o dourado das folhas prestes a caírem… Que doce recordação!

Esta crónica iniciou-se com memórias, não para esquecer, mas que não deixam saudades, e acaba com memórias que me deixam uma alegre saudade, alegre porque não doem e até me fazem sorrir.


José do Nascimento