Maurício Rodrigues | Os incêndios, o cadastro e o registo

A destruição e as mortes provocadas pelos terríveis fogos marcam 2017 como o pior ano em Portugal quanto a incêndios florestais, mais de 100 mortos e 500 mil hectares de floresta ardida.

O incêndio de Pedrógão Grande em 17 de junho registou 64 mortes e cerca de 500 milhões de euros de prejuízo foi a pedra de toque para a tragédia que se seguiria, e que culminou a 16 de outubro com mais 45 mortes e a destruição de 800 habitações e de 500 empresas.

Inúmeras serão as razões que poderemos apontar para o sucedido, como a falta de vigilância, a mão criminosa, a inexistência de limpeza da floresta ou o desordenamento do território. Contudo, uma causa é inquestionável, o facto de Portugal não possuir um cadastro predial atualizado leva ao desconhecimento a quem pertence 20% do nosso território.

O cadastro predial é o instrumento público apropriado para identificar e demarcar todos os prédios rústicos e urbanos existentes no território nacional, está previsto no Decreto-Lei n.º 172/95 de 18 de julho. Há que associá-lo ao registo predial, garante oficial dos direitos de propriedade de cada um.
Portugal permanece terra incógnita, pois não se conhecendo os limites e a titularidade da propriedade dificilmente se poderá desenvolver de forma ordenada e harmoniosa. A falta de um verdadeiro cadastro de propriedade é um dos fatores do nosso atraso, pois é imprescindível para o planeamento, gestão e apoio à decisão sobre a ocupação e uso do território.

O economista peruano Hernando De Soto sustenta que os países são pobres porque não conseguem enxergar a sua própria riqueza, a falta de propriedade legalizada constitui um entrave ao desenvolvimento económico, é “capital morto”, dificulta a geração de ativos e não permite o acesso ao mercado de crédito, os governos devem adotar programas de regularização fundiária como medidas de promoção ao desenvolvimento dos países.

A cobertura completa do território nacional com o cadastro predial possibilitava-nos em regime de livre acesso, a identificação e configuração geométrica e espacial dos prédios e o conhecimento dos seus limites em pormenor, evitando repetições de levantamentos. Agilizavam-se e diminuíam-se os custos dos projetos públicos territoriais e de administração imobiliária com maior rigor na sua análise e gestão, permitia uma avaliação equilibrada e justa para efeitos fiscais, facilitavam-se as fiscalizações, os licenciamentos e expropriações, aumentava-se a segurança jurídica, a facilidade de financiamento e conheciam-se permanentemente as condicionantes atualizadas do prédio na sua globalidade.

Tudo isto contribuía para o sucesso da política de prevenção e combate aos incêndios na defesa da integridade física das populações e da preservação dos seus meios de subsistência e bens patrimoniais. Facilitava a execução da imposição da obrigação legal de limpeza com a cognoscibilidade da qualidade dos acessos, pontos mais e menos vulneráveis, pontos de água, tipo de vegetação e combustão e identificação dos diferentes aproveitamentos das culturas e cargas térmicas.

É consabido que a densidade da população em Portugal nunca foi suficiente para ocupar a totalidade do território, o qual é 94% rústico, 2% espaço aquático (praias, rios e albufeiras), e 4% espaço artificializado (edificações e vias de comunicação).

A partir da década de cinquenta, o abandono das terras agrícolas e florestais aliado à crescente industrialização e mecanização da agricultura, provocaram a empresarialização das atividades agroflorestais e o consequente afastamento da população do mundo rural, levando a que atualmente 75% da população ocupe apenas 1,3% da totalidade do território.

Os prédios rústicos herdados dos nossos familiares, na sua grande maioria estão ao abandono, nem sequer conhecemos bem a sua localização e os seus limites, outros sabemos que existem porque nos é cobrado anualmente um valor irrisório de IMI.

No entanto, quem investe e tem iniciativa de criar emprego e gerar riqueza, valorizando a terra é penalizado com um aumento brutal da carga fiscal, evidenciando que melhor seria deixar a terra ao abandono, é necessária uma maior equidade na tributação. Esta política errática de cobrança de impostos comprova a falta de revisão da política fiscal da propriedade rústica, que se mantém com as mesmas regras do tempo em que as atividades agroflorestais ocupavam mais de 50% da população ativa.

Produto da reação de um País a arder, da necessidade de identificar os proprietários de prédios rústicos ou mistos e os seus limites efetivos, surge o Sistema de Informação Cadastral Simplificada com a Lei n.º 78/2017, de 17 de agosto, com entrada em vigor a 1 de novembro e integrando dez municípios atingidos pelos fogos de junho e de 2016, designadamente, Alfândega da Fé, Caminha, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Góis, Pampilhosa da Serra, Pedrógão Grande, Penela, Proença-a-Nova e Sertã. A sua extensão a todo o território nacional fica dependente da avaliação dos resultados do projeto-piloto, o que acontecerá até 1 de novembro deste ano.

Pergunta-se, por que razão não se estendeu “ab initio” este projeto a mais municípios atingidos por incêndios florestais, como propôs o CDS a 13 de outubro e viu a proposta ser chumbada? E porque razão não se aplicou este projeto a zonas que não tivessem ardido, atenuando o risco da sua destruição num futuro próximo?

Estamos em presença de uma solução de emergência e a simplificação não contém todas as virtualidades exigíveis a um cadastro e a um registo, que possam ombrear com as soluções mais evoluídas nestas matérias.

Tendo em atenção o fenómeno desencadeador desta reação legislativa – os fogos florestais – será redutora a fronteira rígida entre prédios rústicos e urbanos, tendo em conta o número destes últimos (habitação, comércio, indústria, agricultura) intrincados na malha florestal, com enormes implicações na estratégia de prevenção, na tática do ataque e nas consequências económicas, dos incêndios; assim sendo deveria proceder-se a esse levantamento em simultâneo com a georreferenciação e estabelecimento do polígono dos imóveis rústicos.

O levantamento não sistemático de um determinado território, corre elevados riscos de rigor, quanto à sua dominialidade e legitimação jurídica, pois o que “sobrar” num, não é necessariamente detetado como falta no outro ou outros; e, obviamente, redefinidas aquelas, o polígono estabelecido divergirá da realidade juridicamente estabelecida. Poderá responder-se que sempre será assim. Concordamos, mas insistimos que no levantamento pontual o risco é muito maior.

Em Portugal existem cerca de 18 milhões de prédios, dos quais prevê-se que 11 milhões sejam rústicos, rendendo a componente rústica do IMI apenas 1% do montante global cobrado em relação à dos prédios urbanos. A percentagem de prédios omissos no registo predial é muito elevada e a dificuldade de harmonização e interoperabilidade entre as várias instituições e sistemas serão a grande limitação da concretização e operacionalização do cadastro, que estima-se poderá demorar mais de 15 anos. Não será obra de um, mas de vários governos.

O CDS deve estimular a consciência cívica da necessidade imperiosa de possuirmos um cadastro atualizado e fiável do País, mas do País verdadeiro, não do Portugal imaginário socialista que todos os anos se desertifica cada vez mais ou é destruído por grandes incêndios.

Maurício Rodrigues, presidente da Concelhia de Sintra do CDS-PP