Recorro à adaptação da famosa frase inserida no texto da peça “ A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca” de William Shakespeare (na versão em inglês To be or not to be that is the question) para identificar o dilema com que me confrontei quando, no final de 1986 e após ter sido eleito (um ano antes) como presidente da Junta da Freguesia mais populosa do país (ao tempo, Agualva-Cacém), fui convidado a dirigir um sector da empresa onde trabalhava.

Ser ou não ser autarca, eis a questão. Uma escolha difícil que as circunstâncias tornaram incontornável.

Eleito como vogal da mesma Junta de Freguesia para o mandato 1983-1985, com os pelouros do Ensino, Atividades Culturais e Informação, em Outubro de 1984 substitui a Presidente da Junta que renunciou ao mandato, por doença.

Até esse momento tinha desenvolvido uma empenhada atividade nas áreas que me tinham sido confiadas.

Assumida em pleno a função de Presidente da Junta, encarei o resto do meu mandato, até ao final de 1985, ainda com mais empenho e disponibilidade. Foi um ano vertiginoso, dividindo os meus dias, entre as tarefas na Junta (reuniões com entidades, deslocações à Câmara Municipal, visitas aos bairros, atendimento presencial à população, coordenação do executivo e outras tarefas inerentes) e o meu emprego, com manifesto prejuízo para a família. Entretanto fui reeleito para mais um mandato, no mesmo órgão autárquico.

"Como presidente da Junta de Freguesia, em ambos os mandatos assumi como obrigação coordenar uma equipa de vogais representantes de várias forças políticas, praticando uma liderança partilhada e participada por todos os eleitos no órgão autárquico a que presidia"
“Como presidente da Junta de Freguesia, em ambos os mandatos, assumi como obrigação coordenar uma equipa de vogais representantes de várias forças políticas, praticando uma liderança partilhada e participada por todos os eleitos no órgão autárquico a que presidia”.

Como presidente da Junta de Freguesia, em ambos os mandatos assumi como obrigação coordenar uma equipa de vogais representantes de várias forças políticas, praticando uma liderança partilhada e participada por todos os eleitos no órgão autárquico a que presidia.

Como presidente da Junta de Freguesia, em ambos os mandatos assumi como obrigação coordenar uma equipa de vogais representantes de várias forças políticas, praticando uma liderança partilhada e participada por todos os eleitos no órgão autárquico a que presidia.

Apesar de termos uma escala de atendimento à população, na qual todos os elementos do executivo da Junta participavam, quase todos os dias eu tinha cidadãos à minha espera, para me apresentarem problemas e procurarem soluções para os mesmos.

Numa interpretação alargada da minha função autárquica: mediei divórcios; aproximei familiares desavindos por litígios de partilhas; intercedi nas farmácias para angariação de medicamentos para idosos sem condições financeiras para os adquirir; diligenciei na pacificação de conflitos entre vizinhos; participei no processo a recuperação de jovens toxicodependentes e outras iniciativas, em que me envolvi diretamente, sem nunca perder de vista a minha posição institucional. Neste contexto participei também em lutas de trabalhadores, num período com várias falências fraudulentas que ocorreram na zona industrial de Agualva-Cacem. Recordo como um momento inolvidável e de grande riqueza humana, a noite de Natal de 1984, que passei com os trabalhadores nas instalações da empresa GRIS-Artes Gráficas, em solidariedade com a preservação dos seus postos de trabalho.

posso afirmar que, no ponto de vista da riqueza humana, os 4 anos de exercício de funções autárquicas foram os mais intensos da minha vida.

Acompanhei no terreno muitas das operações do corpo de bombeiros local, dando sequência à experiência que tinha vivido, como vogal, na sequência das graves inundações que ocorreram na freguesia na noite de 19 de Novembro de 1983. Nessa noite nasceu a minha devoção pelos Bombeiros que nunca mais perdi.

Apoiei, conjuntamente com outros eleitos, as reivindicações de pais pela melhoria de condições das escolas da freguesia; ajudamos a organizar os moradores dos bairros clandestinos no processo de legalização dos mesmos; dinamizamos a vida cultural e desportiva local; estimulamos a defesa do património e a divulgação da história local; apoiamos a evolução das atividades dos clubes desportivos e a sua participação nas competições em que estavam empenhados; promovemos obras de melhoramento do espaço público e conquistamos para a freguesia o seu primeiro jardim central.

Muito mais poderia aqui relatar sobre a minha vivência como autarca, eleito democraticamente pela população da freguesia onde residia, em duas ocasiões sucessivas, e sobre a atividade multifacetada inerente às tarefas executivas que assumi na Junta, num tempo em que os recursos humanos disponíveis eram escassos, para o muito que havia para fazer.

Nesses tempos heroicos, o exercício da função autárquica não era remunerada. Os autarcas recebiam apenas senhas de presença pela sua participação na reunião dos órgãos. No meu caso e dos eleitos da força politica onde me integrava (Aliança Povo Unido-APU) estas verbas eram totalmente canalizadas para uma Associação (AECOD-Associação dos Eleitos Comunistas e outros Democratas), apenas deduzidas das despesas realizadas por cada um de nós.

Como presidente da Junta de Freguesia, em ambos os mandatos assumi como obrigação coordenar uma equipa de vogais representantes de várias forças políticas, praticando uma liderança partilhada e participada por todos os eleitos no órgão autárquico a que presidia. Evoco os seus nomes: Jorge Trigo, Albino Lopes, Carlos Duarte, Maria Eduarda Alves, Nuno Jorge, Fernando Barreto, Domingos Quintas, Adriano Borges, Telo Parra, Paulo Brito Leite e José Daniel.

Nesses tempos HERÓICOS, o exercício da função autárquica não era remunerada. Os autarcas recebiam apenas senhas de presença pela sua participação na reunião dos órgãos

Esta minha postura acabaria por ser reconhecida pela Assembleia de Freguesia, reunida no dia 21 de Dezembro de 1986, através dum voto de louvor aprovado pela unanimidade dos eleitos das várias forças politicas, representadas neste órgão.

Em Outubro de 1986 o diretor da empresa onde trabalhava chamou-me ao Gabinete e com a sua voz serena, disse-me: “ Duarte chegou a hora de escolheres. Ou segues caminho como autarca, ou assumes novas responsabilidades na empresa. As duas coisas são inconciliáveis, pois não tens tempo para ambas”. Percebi que estava perante uma escolha fundamental para o meu futuro.

Recordo-me que durante uma semana dormi mal, muito mal mesmo. Por um lado estava verdadeiramente rendido ao fascínio do trabalho autárquico e empenhado em honrar o reforço da votação que tínhamos conseguido, no segundo mandato em relação ao mandato anterior, no qual tinha assumido a presidência da Junta, nas circunstâncias anteriormente referidas. Por outro lado, tinha 35 anos, dois filhos e responsabilidades familiares, das quais andava arredado desde que tinha sido eleito para a Junta.

Não tinha outra hipótese senão optar pela minha atividade profissional e pelo futuro da minha família. Afinal eu tinha responsabilidade na forma como assumi os meus mandatos, focando o essencial do meu quotidiano nas tarefas autárquicas e esquecendo tudo o resto. Não tinha de ser assim. Mas foi assim que eu protagonizei a minha aventura autárquica.

No dia 30 de Dezembro de 1986 presidi pela última vez à reunião do executivo da Junta de Freguesia, tendo apresentado nesta ocasião a minha carta de renúncia.

Há distância de 30 anos e apesar de, ao longo deste período, ter participado numa diversificada soma de experiências (em especial nos cargos que desempenhei nas estruturas associativas dos Bombeiros Portugueses, a nível local, distrital, nacional e internacional), posso afirmar que, no ponto de vista da riqueza humana, os 4 anos de exercício de funções autárquicas foram os mais intensos da minha vida.

Duarte Caldeira / ex-Presidente da Junta de Freguesia de Agualva-Cacém