Pedro Gouveia Alves | “A destruição do segundo ‘lockdown’”

Opinião

Desta vez, as empresas minimamente capitalizadas e economicamente viáveis estão sob a ameaça de não poderem continuar a operar. Para muitos, fechar será fechar de vez. Para tantos outros, significará desemprego.

Nem chegou a um ano para nos vermos confrontados com um segundo confinamento geral. Recordo-me que os meses de março e abril de 2020 foram os mais surpreendentes das nossas vidas profissionais. Não era difícil encontrar quem procurasse fazer paralelismos com guerras ou momentos extremos na história da humanidade, tal era o primeiro impacto do desconhecido.

À medida que os números diariamente reportados de doentes infetados pela Covid-19 se iam aproximando dos 800, multiplicavam-se as vozes dos especialistas nas mais diversas áreas, desde a saúde à economia, passando pela defesa, política internacional, sociedade e outros. Medidas enérgicas foram sendo tomadas relativamente à necessidade da resposta do Serviço Nacional de Saúde.

Os exemplos da vizinha Espanha ou de Itália sugeriam a criação de hospitais de campanha, pavilhões com camas para receber a avalancha de doentes que se esperava. Quis o destino poupar-nos de uma pandemia com início no período de inverno. Afinal, foram dois meses mais contidos, cujo verão nos fez esquecer o respeito que a visita do vírus desconhecido mereceu.

Por esses momentos, a energia colocada na defesa dos agentes económicos previa uma depreciação da atividade, mas uma recuperação rápida. Portanto, era necessário manter a atividade, através de mecanismos de apoio ao emprego e por via de moratórias que garantissem a reprogramação de fluxos de tesouraria. Fazia todo o sentido. Era necessário apoiar o tecido empresarial economicamente viável, dando-lhe a estabilidade financeira possível, como forma de evitar a perda de capacidade instalada.

O Estado Português fazia o que podia. Com contas estabilizadas, mas com um valor relativo de dívida pública elevado, à bolina de baixas taxas de juro que garantiam o alívio dos encargos com o serviço de dívida. Mesmo assim, os esforços decorrentes do reforço de orçamento do SNS, de prestações sociais e de outros apoios, não foram suficientes para conter o “maremoto” provocado pela pandemia na frágil economia à beira mar plantada.

Se outras medidas, de índole comunitária, não forem tomadas, com o segundo lockdown espera-se uma severa destruição de valor. Desta vez, as empresas minimamente capitalizadas e economicamente viáveis estão sob a ameaça de não poderem continuar a operar. Para muitos, fechar significará fechar de vez. Para tantos outros, encerrar trará consigo o espectro do desemprego. E, neste cenário, a recuperação económica será muito mais lenta do que o inicialmente previsto pois, com o desaparecimento de capacidade produtiva, refazer será mais lento.

Brevemente, fará um ano após o início da pandemia. Hoje, já sabemos que vírus é este e como atua. A ciência colocou nas nossas mãos as ferramentas minimamente eficazes para iniciar o combate à crise. É assinalável. É mesmo extraordinário que, em tão pouco tempo, a comunidade de investigadores tenha encontrado soluções que permitem o início da imunidade. Mas ainda falta. No momento em que detemos a titularidade da presidência da União Europeia, falta percorrer a reta final para aplicarmos a bazuca como a vacina da economia. Ainda falta o que faz falta.

Os últimos metros da maratona são sempre os mais difíceis. Os atletas sabem que podem ser tolhidos pela exaustão e pela ansiedade de cortar a reta da meta. Tal como no princípio, o respeito pela doença não deve ser colocado de lado. No decurso da história, quantos exércitos foram vencidos por baixarem a guarda?


Pedro Gouveia Alves
Economista

[Artigo de Opinião publicado no Jornal Económico e no Sintra Notícias]