Tardiamente, em 2005 fui eleito Presidente da Assembleia Municipal de Sintra.
Dez anos antes, encerrava a minha participação como deputado à Assembleia da República e que tivera lugar desde a Assembleia Constituinte.
Naquela envolvi-me nas áreas da Defesa, Segurança Interna, Economia e Finanças, Assuntos Europeus e, por último, no Poder Local e Ambiente.
Esta experiência colocava-me perante um conjunto de problemas sobre os quais não me tinha debruçado suficientemente, e que, até então, não traduzia uma prioridade nas minhas reflexões e acção.
Na Assembleia Municipal de Sintra reencontrei grande parte dessas perspectivas.
Progressivamente fui reforçando a ideia de que os cidadãos estão mais próximo da vivência democrática quando mergulham nas realidades do Poder Local, debatendo e lidando com as questões que mais directamente lhes respeitam, promovendo-se assim uma sua maior inclusão.
O Poder Local é em geral um espaço do primeiro “enlaçamento” sócio-político entre os habitantes do território que lhe respeita, quer na detecção dos valores que partilham, ou, dos que não se constituem como “denominadores comuns”, quer na percepção das regras e normas de enquadramento das áreas e actividades que tutela, e, bem assim, dos padrões de comportamento dos agentes políticos que lhes estão associados.
O Poder Local é por isso uma ampla fonte de aprendizagem, participação e reflexão.
A eficácia que se retira do Poder Local é directamentre proporcional à respectiva capacidade manifestada pelos órgãos autárquicos.
A participação dos cidadãos será tanto mais efectiva engenhada e motivada, quanto melhor for o desempenho desses órgãos.
O Poder Local é uma ampla fonte de aprendizagem, participação e reflexão
Se estes se resignarem à gestão do “status quo” ou a um jogo de equilibrismo táctico interno que em geral degenera em “paralisia decisional” maior o alheamento e desencanto dos cidadãos.
Senti essa realidade em determinados momentos, e a consequente resposta popular traduziu-se em relevantes e negativas atitudes, na deterioração do debate político, na mesquinhez que despontou, no maior desinteresse manifestado e no deslocamento do discurso para temas que claramente traduziram erosão do clima político.
Como consequência, percebeu-me um fragor manifesto, acompanhado por uma escassez de substância.
O clamor tornava-se às vezes bastante expressivo, mas a irrelevância do conteúdo era por isso manifesta.
Torna-se usual considerar alguns destes momentos como altamente indiciadores de uma clara polarização política, quando na verdade não traduzem mais que uma “espuma borbulhante”.
Aliás esta é uma das questões essenciais a perceber: Nunca tomar o supérfluo como essencial, a “poeira” como o vento, o debate como a mera gesticulação verbal.
Também senti essa realidade, contudo constatei que alguns dirigentes procuraram colocar as discussões em “sadios carris democráticos”.
O sucesso do exercício do Poder Local obriga por isso a um reforço da qualidade do discurso, das práticas e dos comportamentos institucionais.
Nesse âmbito, constatei como de maior relevância a capacidade, dimensão e valor da informação que o Executivo Municipal disponibiliza para um salutar debate autárquico.
A sua existência requer pelo menos duas partes, e, a fim de evitar um debate vazio de conteúdo ou puramente partidário, urge conhecer o enquadramento, conteúdo, alcance e eventualmente os processos condutores relativos aos temas municipais mais significativos.
O sucesso do exercício do Poder Local obriga por isso a um reforço da qualidade do discurso, das práticas e dos comportamentos institucionais.
A minha experiência autárquica revelou-me facetas da vida democrática autárquica que não se afiguram adequadas e até justificáveis. Vale a pena referi-las:
a) Não faz sentido que em qualquer Assembleia Municipal se expressem opiniões críticas ao desempenho do Executivo Municipal, e, daí não se possam retirar cabalmente evitáveis consequências políticas.
A lei que rege o seu funcionamento interdita-o, pelo que, e na prática se consagra uma relativa “menoridade” a esse órgão e, por conseguinte, uma visão redutora da vida democrática municipal.
b) Em parte dos nossos municípios é manifesta a falta de clareza da consistência da maioria que o governa, obrigando à promoção de “consensos” e “coligações” mistificadores do exercício da responsabilidade ou encobridoras das debilidades, indefinições e ambiguidades ou, ainda incentivadoras de um “status quo” que não exibe a transparência e virtualidade suficientes.
c) O exercício do Poder democrático é tanto mais fecundo quanto – no plano institucional mais se confrontarem diferentes opções.
Uma das formas de o evitar e ilidir o debate, consiste na ampliação da maioria para além da necessária e requerida para a capacidade de decisão se reduz, as opções não se consubstanciam e as necessidades dos cidadãos se esquecem.
“Todas juntas” é quase sinónimo de paralisia deliberada e escolha dos fracos que não querem decidir e correr riscos.
d) Por vezes, existindo já uma maioria de governo, elementos de outras formações partidárias associam-se-lhe, sem que no âmbito da Assembleia Municipal se traduza igual espírito de cooperação, sintonia e atitude solidária.
Aproveita-se a vantagem da pertença ao “Executivo funcional” sem a consequente responsabilidade no apoio à sua acção no seio daquele órgão.
O compromisso global não é praticado e a mensagem transmitida aos cidadãos munícipes é de oportunismo, “interesses” ou falta de respeito pela vida democrática.
Mais se poderia referir na linha das correcções e melhorias a introduzir nas práticas constatáveis no exercício do Poder Local, contudo e globalmente é inegável a contribuição positiva que ele tem dado à democracia portuguesa.
Ângelo Correia