Rui Oliveira | “História, Memórias e Ritualidades na Nossa Senhora das Mercês”

Opinião

Segundo a tradição local, a Feira das Mercês é bastante antiga e muito anterior ao século XVIII. Porém, as primeiras referências documentais à Feira e Romagem da Senhora das Mercês reportam-se apenas à segunda metade do século XVIII.

A primeira referência colhemo-la nas «Memórias Paroquiais» de 1758 [referentes a Belas], onde se cita a feira livre de Meleças, realizadas no 3.º e 4.º Domingo de Outubro, sem mencionar, contudo, o orago [o da N.S. das Mercês ou outro]. Nas mesmas «Memórias Paroquiais», mas referentes a São Martinho, o Prior Sebastiam Nunes Borges refere, integrada na “Vintena” do Algueirão, o lugar das Mercês. Um documento régio de 1771 [de 7 de Junho] esclarece que a feira se realizava, então, em: «…um lugar despovoado, e sito entre Meleças e a Ermida das Mercês…».

A ermida era bastante exígua e tinha apenas um capelão, o que obrigava a muitos suplicantes ficarem sem missa, pelo que, entre outras razões mais prosaicas, o Rei, D. José I, manda transferir esta Feira e Romagem da Senhora das Mercês para a Vila de Oeiras, então senhorio do Marquês de Pombal [que era também o proprietário dos terrenos e ermida da feira de Meleças]. A situação alterou-se em 1780 [17 de Outubro] quando D. Maria I autoriza aos: «… moradores […] do Sítio da Ermida de N. S.ª das Mercês, […] a continuar a sua Feira no 3.º e 4.º Domingos de Outubro », situação que ainda se mantém na actualidade.

Quanto ao orago da Senhora das Mercês sabemos que é bastante antigo em Portugal introduzido nos séculos XIV/XV pelos frades mercedários, de origem castelhana, na região de Alenquer [localidade de Merceana]. No século XVIII, a forte devoção de Sebastião José de Carvalho e Melo pela Senhora das Mercês, devoção já com tradição familiar, como se pode aferir pelo seu baptismo na Igreja Paroquial de N. S.ª das Mercês, em Lisboa, está na base da forte implantação deste orago um pouco por toda a região e, sobretudo, nesta tradicional e secular feira.

A Feira das Mercês como tudo na vida social-económica das comunidades locais, teve vários aspectos e contornos, ditados, quer pela moda, quer pelo concurso de gente importante, ou entidades, envolvidas diretamente na sua organização, ao longo dos tempos.

Como é o caso de D. Leonor Ernestina Eva Wolfanga Josefa, condessa de Daun, segunda esposa do 1º Marques de Pombal, que era uma benfeitora importante do Convento de São Pedro de Alcântara, dos Frades Franciscanos Arrábidos, razão pela qual os frades organizavam um Círio que conduzida a milagrosa imagem da Senhora das Mercês, da Freguesia de S. Pedro em Alcântara, ao sítio de Meleças; desses círios devotos, oitocentistas, existem várias edições dos Cânticos de Louvor, à Senhora.

Do ponto de vista económico a Feira das Mercês, nos seus tempos áureos, estabelecia a tabela de preços para vários produtos na região particular mente os frutícolas; era lugar de contratação de mão-de-obra, particularmente feminina, para os trabalhos agrícolas na região e ali se adquiria as madeiras em bruto para reparações de alfaias agrícolas com vista a novas campanhas de sementeira.

Na atualidade a Feira das Mercês, renasce com um padrão cultural e tradicional interessante, depois de uma lenta agonia de mais de uma década de incertezas e descaracterização. A recuperação acontece por intervenção direta da Câmara Municipal de Sintra, ao nível da Animação Cultural; animação, que no terreno, está a cargo da Câmara de Ofícios, apostada em reabilitar a figura tradicional do Saloio mas também do espaço e naturalmente da feira secular.

Rui Oliveira,
Arqueólogo. Especialista em História Local Sintrense
Diretor-adjunto do Sintra Notícias


Bibliografia:
AZEVEDO, José Alfredo da Costa; 1982, «Velharias de Sintra IV, Memórias Paroquiais»; edição da C.M. de Sintra, pp. 149-50 e 159-60.
PORTUGAL, Fernando & MATOS, Alfredo; 1974, «Lisboa em 1758, Memórias Paroquiais»; edição da C.M. de Lisboa, pp. 195/202.
CONCEIÇÃO, Cláudio da, 1772 – 183?, O.F.M.
Sendo conduzida em devoto cirio a milagrosa imagem da Senhora das Mercés da freguezia de S. Pedro em Alcantara para ser festejada na sua igreja do sitio de Meleças… 26 de Maio de 1828… recitarão tres anjos o seguinte / Claudio da Conceição. – Lisboa : Imp. Regia, 1828. – 4 p. ; fol.. – Loas