José do Nascimento | Pelourinho da Vila

As minhas caminhadas, senão diárias, estarão lá muito perto, quando manhã cedo e ainda sem a pressão turística na Volta do Duche, levam-me muitas vezes a atravessar a Vila Velha e uma das primeiras coisas que se vislumbro mal passo em frente ao que foi o antigo hospital da Misericórdia, é o Palácio, aqui a merecer maiúscula, desde há algum tempo adornado por uma grua, a merecer minúscula e que já parece querer dizer uma de duas coisas:

Tirem-me daqui!” ou “Para quando o estatuto de estrutura de interesse histórico?

Além do Palácio e da grua, um pouco mais recatado mais recatado, aparece o pelourinho, quase a meio do Largo dr. Gregório de Almeida.

Normalmente os pelourinhos datam da época em que foi atribuído o foral a um município, isso não acontece com o actual de Sintra, que foi construído no início dos anos 40 do século XX, no mesmo local em que esteve o original demolido cerca de 90 anos antes.

Foi no início da segunda metade do século XIX que, no meio de alguma polémica, o pelourinho da vila de Sintra foi demolido, por proposta do vereador José Joaquim Roquette e que a câmara aceitou e aprovou, o que terá provocado uma significativa contestação e até indignação por aqueles que viam naquele padrão, um símbolo da autonomia territorial e judicial. Para alguns, na época, o pelourinho teria sido demolido pela calada da noite para assim se fugir à contestação, facto que ao chegar ao conhecimento do governo civil, levou o governador a procurar uma explicação junto da Câmara de Sintra.

Da resposta encarregou-se o vereador proponente da demolição, onde alegou tratar-se de uma forca e em adiantado estado de deterioração, nega que a demolição tivesse sido de noite, mas sim de dia entre a uma e duas da tarde. A carta de resposta do vereador Roquette está transcrita na totalidade na Vila-Velha (Ronda pelo Passado) de José Alfredo Azevedo.

O que Roquette escreveu, não corresponderá à verdade, os pelourinhos não eram forcas, serviam sim para expor os indiciados ou já condenados a crimes, à chacota pública e onde frequentemente eram cuspidos e cobertos de dejectos humanos ou de animais. Em alguns casos seriam aí açoitados, mas a pena capital era, normalmente, aplicada em locais mais recatados e em estruturas montadas para o efeito e, de seguida, desmontadas.

Anos mais tarde, uma coluna manuelina erguida em frente ao que é hoje o Café Paris, foi erradamente tida por muitos como o pelourinho da vila de Sintra, quando na realidade se tratava do esguicho de um chafariz, ao qual tinha sido desmantelado o tanque de recepção de água. O dita coluna mudou depois de lugar e, já com o tanque de água, foi colocada em frente à escadaria de acesso ao palácio, conforme a foto o atesta. Hoje a coluna, de novo sem o tanque, repousa no Jardim da Preta.

Em 1940, por proposta do vereador Mário Ferreira Lima, a Câmara dá luz verde para a construção de um novo pelourinho a ser colocado no local onde o primitivo estivera e a obra foi encomendada ao escultor sintrense José da Fonseca que tinha atelier num anexo ao edifício sede da Sociedade União Sintrense. A ideia seria esculpir uma nova coluna o mais semelhante possível com o pelourinho demolido cerca de 90 anos antes, para isso foram escolhidas duas gravuras da época em que o símbolo da autonomia e justiça ainda estava em pé, uma de Brunett e outra de Blanchard, só que entre ambas há nítidas diferenças… Então qual a mais fidedigna?

O escritor Francisco Costa, que em 1939 passou a ser colaborador da Câmara Municipal de Sintra para quem fundou a Biblioteca e Arquivo Municipal que funcionaram no Palácio de Valenças e que, no âmbito da História é autor dos três volumes de Estudos de Sintra, logo parecendo pessoa bem avalizada para ter aconselhado que se desse mais atenção à gravura de Brunett que à de Blanchard. Comparando as duas gravuras, dá toda a sensação que o escritor teria razão, dado que o primeiro enquadra o seu desenho como inequivocamente na Vila-Velha, com a Torre da Vila bem visível no plano mais recuado, já a de Blanchard, que procurou uma perspectiva diferente, onde nem o horizonte é conclusivo.

Por outro lado, ainda com socorro às investigações de José Alfredo, no seu Vila-Velha (Ronda pelo Passado), onde cita Mena Júnior, que terá colhido a informação de que o pelourinho de Sintra, tinha semelhanças com o de Colares. De novo, aparece a escolha pela gravura de Brunett como a mais adequada.

Terá sido escolha do artista a utilização, como modelo, a gravura de Blanchard, ou um gosto pessoal dalgum vereador da época?

Sabe-se que na época, um gosto de um presidente ou vereador, seria conveniente não o ver desgostado.

Desde então, Sintra voltou a ter um pelourinho…

José Nascimento

Nota: Nesta crónica, entrei no pelouro dos historiadores, que é coisa que não sou. Que me desculpem uma ou outra imprecisão.