Sou do tempo da série “Espaço 1999”, em que a tecnologia utilizada era vista como um desejo longínquo, algo do século XXI, como utilizar um dispositivo para comunicar através de imagem com um interlocutor, à distância, ou utilizar o mesmo dispositivo para abrir e fechar portas. Também sou do tempo em que as perspetivas de esgotamento das reservas de petróleo apontavam algures para os primeiros anos do novo milénio.
Desde jovem, tenho assistido a sucessivos alertas sobre a degradação do ambiente provocada pela indústria e pelo excessivo consumo de produtos decorrentes de material não reciclável ou lentamente degradável. Mas também essa preocupação apontava para um longínquo período temporal que permitiria adaptações que invertessem tendências de consequências nefastas da carbonização.
Devo ter tomado consciência de que a realidade supera a ficção de forma mais rápida do que o imaginado, quando a excessiva utilização de equipamentos, com emissão de gases com clorofluorcarbonetos (CFC) quase aniquilariam a camada de ozono em muito poucos anos, originando um alerta global sem precedentes. O Protocolo de Montréal em 1987 veio, felizmente, inverter essa tendência banindo a produção e utilização de gases CFC.
Chegados ao momento presente, os dispositivos com que comunicamos à distância superam a ficção da segunda metade do século XX, e esperam já pela massificação da utilização da tecnologia 5G. Os glaciares derretem a uma velocidade improvável, face ao previsto há umas décadas atrás. Nunca antes houve tantas vidas humanas a viver no planeta, e nunca houve uma ameaça tão latente sobre a redução da biodiversidade a nível global. E, apesar de tudo, a natureza tem sido generosa, perante a incauta e irresponsável forma como a tratamos.
No topo do bolo, é colocada, insistentemente, a cereja das taxas de juro historicamente baixas. Uma política monetária acomodatícia empreendida pelo Banco Central Europeu (BCE), num contexto de estímulos à economia europeia, vem sendo replicada noutras geografias, por outros bancos centrais. A inversão da curva de taxas de juro, com taxas de curto prazo acima dos valores das taxas de médio e longo prazo vêm colocar questões sobre a possibilidade de uma contração em algumas das principais economias mundiais.
Ainda não se sabe exatamente as consequências do diferendo comercial que opõe os grandes blocos económicos mundiais, Estados Unidos e China, mas a fazer fé na teoria económica, nomeadamente nas bases teóricas que se fundamentam no aproveitamento das vantagens de cada um para o alcance das vantagens de todos, de que são exemplo David Ricardo, Heckescher-Ohlin-Samuelson ou Rybczinski, o caminho contrário a trocas comerciais internacionais, por certo, terá como consequência a ineficiência global de fatores de produção, não contribuindo para a evolução positiva da economia mundial, num completo exercício de “miopia” de protecionismo empreendida pelo lado de lá do Atlântico.
Mas afinal, o que é o futuro? Segundo Alvin Tofler, o futuro é construído pelas nossas decisões diárias, inconstantes e mutáveis, e cada evento influencia todos os outros. Portanto, será o resultado das decisões que tomarmos hoje, com os instrumentos que temos à nossa disposição. Sem uma Zona Monetária uniforme, o custo de uma Política Monetária acomodatícia é substancialmente diferente entre economias que utilizam a mesma moeda. O BCE sabe que um movimento contrário de taxas de juro agravaria feridas que ainda estão longe de sarar.
Os economistas sabem que só é possível avançar para políticas de natureza fiscal quando a dívida estiver controlada em níveis adequados. É grande a tentação de se avançar para uma política orçamental expansionista quando se sente uma “lufada de ar fresco”.
É necessário o relançamento de uma política fiscal que favoreça a atividade empresarial, sobretudo que permita o incremento da competitividade, e que o mesmo se faça refletir na capitalização das empresas (sobretudo numa fase exigente do ponto de vista de transformação tecnológica), na sua capacidade para expandir os seus investimentos e na sua ambição de remunerar e atrair, para além da “mão de obra”, uma “cabeça de obra” qualificada, de elevada capacidade competitiva no mercado global para uma geração de valor sustentável, no domínio energético, no domínio ambiental, na produção de bens e serviços transacionáveis, na promoção da investigação científica e tecnológica.
Ainda sem conseguir acionar os instrumentos fiscais que tanto gostaríamos, com as subjacentes opções de desenvolvimento para a nossa economia, resta-nos aproveitar bem o momento presente para empreender e consolidar um trabalho de contenção da despesa pública e de cultura de “contas certas”. Depois da grande crise económica e financeira, estamos ainda na fase do, portuguesmente falando, “que remédio”…
Só depois, poderemos almejar o regresso aos comandos. Com a consciência de que, quanto ao futuro, é bem melhor tentar construí-lo do que tentar adivinhá-lo. A probabilidade de não acertarmos é enorme. E, se não formos capazes de formular a nossa própria estratégia, estaremos irremediavelmente a fazer parte da estratégia dos outros.
Pedro Gouveia Alves,
Economista. Presidente do Montepio Crédito.
[Artigo de Opinião publicado no Jornal Económico e no Sintra Notícias]