“As razões para o protesto contra o turismo de massas”

    Opinião: João Lacerda Tavares

    Neste mês de agosto, surgiram em Sintra dezenas de cartazes e faixas a expor a insatisfação com o turismo e, concretamente, com o caos originado pelo turismo de massas e as suas consequências sobre a fragilidade inata de Sintra.

    Em simultâneo, uma mobilização de residentes certificou a insatisfação colectiva e o movimento tornou-se maior do que a iniciativa promovida por uma associação de Sintra, confirmando a evidência: há um problema sério em Sintra e o poder político não consegue dar resposta.

    Um dos cartazes em exposição anunciava, de forma peremptória, o veredicto: “Sintra – lotação esgotada.”

    A mensagem é directa e de fácil adesão, mas não é correcta!

    Mas como todas as mensagens publicitárias, importa que a mesma seja concisa e que permita uma fácil adesão. Esta, em concreto, quer mandar os turistas para casa, anunciando que Sintra não pode continuar a ter tanto turismo e que a sua lotação se encontra esgotada. Mas ao mesmo que tempo que apregoam esta mensagem, reforçam que não estão contra o turismo!

    A mensagem sobre o excesso de turismo de massas é de fácil adesão: une os moradores que, cansados dos incómodos provocados por hordas de visitantes, estão na primeira linha da cruzada, a que se juntam muitos dos comerciantes tradicionais que, sem alternativa, vão cedendo os seus espaços a entrepostos de procura mais turística. Por fim, também os turistas são defraudados na expectativa de visitas a lugares com paisagens e monumentos já reproduzidos em milhões de fotos e vídeos, mas que omitem as enchentes de visitantes e o tempo para os alcançarem.

    Para além destes turistas desiludidos, ainda há a categoria dos turistas rejeitados. Estes, e são muitos, entram em Sintra em veículo alugado, evitam os malabaristas condutores de ruidosos tuk-tuk e seguindo o GPS que direciona para o centro de Sintra, não encontram um único parque de estacionamento. Estes turistas questionam-se como chegaram ao centro de Sintra sem serem obrigados a deixar o seu veículo em algum parque externo à Vila e, em menos de nada, o turista é obrigado a descer a rua em direção ao Vale do Rio do Porto e capsulado para fora de Sintra, depois de curvas apertadas, carros mal estacionados e sucessivas placas proibitivas que impedem o retorno a Sintra.

    Voltando ao tema dos cartazes, não é possível decretar que Sintra está com lotação esgotada. É certo que os monumentos principais como o Palácio da Pena deverão ter uma visitação limitada à sua capacidade, mas o Centro Histórico é um espaço público, aberto e de livre acesso, que não poderá ter limitação de turistas.

    Efectivamente, uma vila com a marca “Património Mundial” e ficando a um passo de uma capital que recebe milhões de turistas, não pode ser imune à demanda de parte relevante dos 20 milhões de turistas que anualmente visita o país. Em Lisboa a ratio turistas – habitante já é de uns intoleráveis 16 para 1, mas em Sintra, com a desertificação do Centro Histórico, a ratio poderá ser de milhares de turistas por habitante. Obviamente esta equação apenas relaciona uma parte de Sintra e um simples passeio pela Vila Velha confirma que este espaço já deixou de ter uma comunidade e em seu lugar surge um espaço para ser disfrutado, exclusivamente, por turistas.

    Esta transformação já é irreversível porque não há política pública que contrarie a força do mercado. Se há turistas há comércio dedicado à procura, que afastou o comércio tradicional vital para a existência de habitantes no Centro Histórico.

    Mas falemos sobre o trânsito.

    Os visitantes do Centro Histórico e dos palácios de Sintra continuará a aumentar nos próximos anos, apesar da Parques de Sintra Monte da Lua já limitar – o que se saúda – as visitas diárias ao Palácio da Pena, replicando a medida dos mais importantes palácios europeus. Esse espaço tem limites óbvios e há muito que está atingida a sua capacidade de carga, factor que relaciona a influência que a visitação causa nos materiais, da estrutura construtiva ao mobiliário.

    Essa carga também existe relativamente à Serra de Sintra, sobretudo nas zonas mais delicadas, onde o risco de incêndio obriga a um controlo de visitação que – e bem – foi implementado pela Câmara Municipal e sobre a qual o Presidente não cede um milímetro.

    Mas quanto à carga do Centro Histórico – Vila Velha, Estefânia e São Pedro – só existe por força da desregulação e omissão de medidas mais enérgicas.

    A Câmara Municipal é muito lesta a noticiar as medidas que já tomou ao longo dos anos. Tanto que elenca medidas, como o condicionamento do trânsito no Centro Histórico, mas que são notoriamente, aquém das necessárias. E algumas das medidas anunciadas têm pouca, ou nenhuma conexão com a regulamentação necessária.

    Efectivamente, em reação ao debate sobre o excesso de turismo veio a Câmara Municipal dizer, que tem uma estratégia de desenvolvimento “com medidas que procuram o equilíbrio entre os benefícios do turismo e mitigação dos efeitos do aumento do turismo nacional e internacional e o impacto desta realidade no Centro Histórico de Sintra.” E questionada sobre as medidas, disse que “essa estratégia é implementada em conjunto com as principais entidades do setor turístico/cultural de Sintra, assegurando medidas que permitam dar a conhecer a amplitude turística, para além dos roteiros óbvios que originam elevada pressão”.

    Esta resposta sem qualquer concretização, torna legítimo recear que a estratégia da Câmara Municipal passe pela colocação de barreiras físicas com polícias municipais por detrás, a conter a entrada de turistas. Mas este receio, naturalmente fantasioso, pode resultar de uma evidente falta de estratégia, sendo esse facto, quer a Câmara Municipal entenda por justa ou não, a percepção dos munícipes e que motivou a posição pública.

    Fazendo justiça a medidas como a supressão de (algum) trânsito no Centro Histórico, na preferência pedonal da Volta de Duche e no condicionamento do acesso ao Palácio da Pena, a Câmara Municipal expressa que “continua empenhada em desenvolver um centro histórico em que os residentes estão em primeiro lugar, em que o património histórico dos munícipes e também de todos os portugueses, seja testemunho da nossa história e fator de desenvolvimento, onde os turistas são bem-vindos, implementando medidas adequadas a cada momento para construir um equilíbrio e uma visão de futuro”.

    Este anúncio é, decididamente, um objectivo estratégico, mas desadequado perante a actual pressão turística e, sobretudo, atrasado.

    Desadequado, porque os residentes do Centro Histórico não estão, manifestamente, em primeiro lugar: já não têm infraestruturas básicas, comércio de proximidade, serviços públicos e mal conseguem sair de casa. Desadequado, porque o património histórico não é de todos os portugueses, mas antes da Humanidade, reconhecimento de autenticidade e genuinidade que obriga o Município a ser muito mais activo, analisando, estudando e interpretando, dando a conhecer previamente as medidas, tanto à Comunidade como à UNESCO. Atrasado porque já não há tempo para regular o território e preparar este para o turismo de massas. E quando não se antecipa, quando não se programa, surgem os efeitos negativos da falta de iniciativa.

    E mais do que desajustado e atrasado, o anúncio da Câmara Municipal de Sintra de implementação de “medidas adequadas a cada momento para construir um equilíbrio e uma visão de futuro” é o reconhecimento que, neste momento, já nada pode fazer para inverter o turismo de massas, fruto da falta de regulação atempada.

    Esta constatação não constitui uma crítica gratuita, mas antes uma verificação atenta de que, não se tendo regulado e ordenado a tempo, não é possível esperar resultados. E como quem critica deve apresentar soluções, 4 soluções que são de elementar apreciação por parte de quem vier a governar o município no próximo mandato: i. Alargamento significativo da restrição de acesso automóvel, integrando a área de São Pedro e acessos à Vila Velha e parte da Estefânia, com um desenho urbano de circulação exclusivamente pedonal. ii. Criação de um parque de estacionamento de grande dimensão na zona do Ramalhão e de um grande parque de estacionamento subterrâneo na Portela de Sintra com uma área verde de lazer externa. iii. Passagem exclusiva de autocarros eléctricos – em sistema de navettes em rede gerida pelo Município – pelas ruas de São Pedro e de acesso à Vila Velha, Regaleira e Monserrate. iv. Construção de um teleférico entre o Ramalhão e o Palácio da Pena, capaz de transportar mais de 2 milhões de passageiros/ano.

    É este o caminho.

    Estas decisões estratégicas não foram tomadas e é notório que o actual executivo, a finalizar mandato, não deixa preparado um plano que inverta o caos anunciado nos cartazes espalhados por Sintra.

    E finalizado o ciclo autárquico, é legitimo que tanto a associação que liderou a contestação como todos aqueles que se preocupam com estas matérias, questionem se as candidaturas à liderança da Câmara Municipal de Sintra integram no seu programa estas questões e as nomeiem por prioritárias.

    Em longa conversa com Marco Almeida fiquei seguro de uma característica que não encontrei em outros tempos: vontade de ouvir e de formar opinião com base em outras ideias. Se a essa característica juntarmos a determinação que há muito Marco Almeida tem como um dos seus pontos fortes, então pode haver decisões na área do turismo que invertam a actual situação e que motivou os legítimos anúncios que surgiram em Sintra neste mês de agosto.

    João Lacerda Tavares
    Ex-Vereador Câmara Municipal de Sintra
    Ex-Administrador da Parques de Sintra Monte da Lua SA
    Ex-Coordenador do Gabinete do Património Mundial de Sintra