Tal como na banheira de Arquimedes

Por, Galopim de Carvalho

“O soerguimento e afundamento de continentes, ou de porções maiores ou menores das respetivas áreas, resultam de movimentos verticais de há muito bem conhecidos pela Geodesia, a disciplina que, com notável e reconhecido rigor, se ocupa das formas de relevo da superfície terrestre e da sua representação.

Foi no exercício das suas funções que os geodesistas verificaram, por exemplo, que o bloco escandinavo se está a elevar à razão de 10mm por ano. Coberta por uma camada de gelo, com dois a três mil metros de espessura, durante a última glaciação, Würm (do nome de um afluente do Danúbio) ocorrida entre 80 000 a 10 000 anos a.C., a Escandinávia afundou-se. No período que se seguiu, marcado pelo degelo e recuo da calote polar gelada, este bloco continental, progressivamente aligeirado dessa sobrecarga, tem vindo a soerguer-se numa procura de equilíbrio ainda não atingido.

Estes afundamento e soerguimento são comparáveis aos de um barco posto a flutuar na água, no qual se coloca ou da qual se retira uma carga, na procura de equilíbrio dito hidrostático. Os continentes, com uma densidade média de cerca de 2,7, flutuam sobre uma camada de grande viscosidade, a astenosfera, com uma densidade na ordem de 3,3, estando sujeitos a uma procura de equilíbrio semelhante ao hidrostático, mas muitíssimo mais lento, conhecido por equilíbrio isostático ou isóstase (conceito introduzido, em 1889, pelo americano C. E. Dutton), como acontece com o bloco escandinavo.

Presentemente, o continente antártico, coberto por uma calote gelada que, em alguns locais ultrapassa os 4 000m de espessura, afundou-se algumas centenas de metros, como se deduz da profundidade da respetiva plataforma continental, muito mais acentuada do que as dos restantes continentes. Trata-se, pois, do mesmo fenómeno físico a que, diz-se, Arquimedes foi sensível no banho.

Galopim de Carvalho, Geólogo

A mesma impulsão, de baixo para cima, sofrida por um corpo mergulhado num líquido, formulada na conhecida lei que tem o seu nome e que todos aprendemos na escola, está na base destes quase impercetíveis movimentos verticais dos continentes. Uma tal lentidão decorre do facto de a astenosfera não ser um verdadeiro líquido, antes, sim, um corpo de altíssima viscosidade, comportando-se como um sólido para situações bruscas e como um líquido muito pastoso, para solicitações muito lentas e prolongadas.

O desaparecimento de uma grande montanha, por erosão, dá lugar a uma superfície aplanada e rebaixada, sob a qual permanecem, como um soco rígido, as correspondentes raízes. Uma vez aligeirado o peso correspondente a essa montanha, este soco começa a elevar-se, por isóstase, e toda a área aplanada ganha altitude, adquirindo as características de um planalto.

Trata-se de uma situação comum a todos os continentes e que temos aqui na Península Ibérica. A maior parte do território ocupado por Portugal e pela Espanha é o que resta do arrasamento de uma importante cadeia de montanhosa formada no sul da Europa há mais de 300 milhões de anos. Referido entre os geólogos por cadeia Hercínica ou Varisca, este importante enrugamento da crosta, tão grandioso como os Alpes, ou talvez mais, foi quase totalmente erodido ao longo dos milhões de anos que se seguiram, transformando-se na planura que tem vindo a elevar-se e que caracteriza a Meseta Ibérica, expressão que alude à condição planáltica do interior da Península.

Acontece, porém, que esta superfície está inclinada, ou basculada, descendo de nordeste para sudoeste. Dos planaltos de Castela-a-Velha e do nordeste transmontano, alguns a mais de 1 000m de altitude, desce-se gradualmente até à planície do Baixo Alentejo, à cota média de 200m.

Esta diferença de altitudes reflete-se, em Portugal, no carácter mais vigoroso do relevo no Norte do país. Aí, os rios estão muito mais encaixados e os vales são mais profundos. Quem viaja por estrada, percorrendo curvas e contracurvas, a subir ou a descer, interioriza uma sensação de relevo acidentado que contrasta com as intermináveis retas do Sul. As expressões Norte montanhoso e planície alentejana radicam neste contraste”.

Texto: Galopim de Carvalho / API

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