António Luís Lopes | “Coisas que nunca me habituarei”

“Há coisas a que nunca me habituarei. Nunca me habituarei, por exemplo, à miséria. Nem à fome. Nem à guerra.

Nunca me habituarei a ver tão poucos com tudo e a imensa maioria sem nada. Nunca me habituarei à canalhice, à traição, à mentira. Nem à injustiça ou arrogância. Nunca me habituarei a que existam Centros de Saúde mas não existam médicos suficientes. Ou que só quem tenha dinheiro seja tratado com celeridade e conforto face a uma doença grave.

Nunca me habituarei a que existam Tribunais mas não seja possível a quem não é rico litigar até que lhe seja feita Justiça. Nunca me habituarei a que alguém trabalhe uma Vida inteira e tenha uma reforma que mal dê para viver com dignidade. Nunca me habituarei a que a Educação e a Cultura não sejam mais importantes do que qualquer défice financeiro e que o dinheiro que nunca é suficiente para qualquer delas seja sempre abundante para impedir a falência de bancos privados.

Nunca me habituarei à promoção da ignorância e da alarvidade em detrimento da sabedoria e do Conhecimento. Não – não me digam “habitua-te”. Não me habituarei jamais ao oportunismo. A quem não tem Valores mas apenas interesses. A quem hoje estende a mão para que o puxem da corrente enfurecida e amanhã já nem se lembre do nome de quem o salvou. Não, não me habituarei à hipocrisia de quem vende armas mas diz defender a Paz.

Não me habituarei a que existam mulheres maltratadas, perseguidas ou assassinadas em nome de qualquer fanatismo travestido de religião. Não me habituarei a um Mundo onde nos mantenham entretidos com telemóveis, consolas, computadores, gadgets, assistentes virtuais, reuniões à distância, etc, e nos façam esquecer a participação cívica, o encontro fraterno, os abraços, a partilha de experiências, a solidariedade.

Não me habituarei à Democracia da “alternância” e não das alternativas. Porque há coisas a que nunca me habituarei – por mais que alguém insista ou recomende.”

António Luís Lopes