José do Nascimento | “Memórias de Verão”

    Ainda não começou o Inverno e, confesso, já começo a sentir saudades do Verão, de vestir roupas mais leves, de um bom cavaqueio à roda de uma mesa de uma esplanada, dos passeios à beira-mar, em suma, saudades de quase tudo o que só o Verão proporciona.

    As minhas mais remotas memórias de Verão, passam invariavelmente pelo eléctrico da companhia Sintra Atlântico que nos deixava a cerca de 100 metros do areal da Praia das Maçãs. A primeira preocupação, tanto minha como dos meus irmãos era, ainda sentados no eléctrico, ver qual a cor da bandeira, se estava verde era considerado quase milagre, se estava amarela, o mais banal, sempre dava para um ou outro mergulho, se estava vermelha, muitas vezes isso acontecia na Praia das Maçãs, era a desilusão porque na época ainda não havia a piscina como alternativa.

    Mesmo nos dias de bom mar, naqueles tempos a Praia Grande não era alternativa familiar, teríamos que nos apear no pinhal do Rodizio e após a ponte, subir a ladeira em estrada de terra batida e só depois descer até à praia, não chegava a um quilómetro, mas a nossa mãe não estava para aí virada.

    Os mais velhos queixavam-se frequentemente de que a água estava fria, mas com aquela idade, tanto para mim como para os meus irmãos, estava sempre boa e era a Beatriz, nossa mãe que nos ia obrigar a sairmos da água e a pôr-nos a secar ao Sol estendidos nas toalhas. Entretanto na barraca que logo à chegada se alugou e tinha mesa e bancos como recheio, a mesa era posta, primeiro uma toalha branca, depois os pratos e talheres que tinham vindo de casa e só depois se abria o cesto de verga de onde saía um tacho embrulhado em papel de jornal que conservava a refeição quente e que invariavelmente constava de arroz branco misturado com bife raspado… Aquilo sabia bem, mas… O pior do dia de praia vinha a seguir, a “quarentena” da digestão:

    “Mãe, já podemos?… Quanto tempo falta?… E agora?… Já podemos!… Bora!”

    Finalmente lá vinha a ordem para o mergulho da tarde, sempre demasiado curto, porque tínhamos de nos secar, vestir, carregar as tralhas e ir apanhar o eléctrico de volta a Sintra. Duas ou três vezes, esses fins de dia de praia, deram aso a uma foto de família, sem o patriarca, esse completamente avesso à água do mar… e até à própria areia da praia.

    Às vezes, sabe bem ter memórias!

    Com a melhoria de acessos, a Praia Grande passou a ser alternativa à Praia das Maçãs, mas salvo melhor opinião, sem o mesmo glamour!

    Das minhas memórias de Verão na Praia das Maçãs, além do areal e das águas do Rio de Colares e do Atlântico, ainda estão presentes o meu primeiro jogo de futebol de salão, modalidade que na altura emergia, e teve no pequeno ringue ali plantado, o seu palco. A minha equipa, vinda de Sintra, defrontou uma outra composta por veraneantes nas Azenhas do Mar. Eu e os meus dois irmãos, acompanhados de dois amigos, vencemos logo no nosso primeiro confronto, não vencemos muitos mais, até porque a equipa cedo se dissolveu, mas naquele recinto, que conheceu celebrados torneios de Verão nessa nova modalidade, fiz parte de algumas equipas concorrentes, mas a memória não me trás grandes vitórias, mas tive-as noutra modalidade, que ali também se podia praticar, o hóquei em patins, vitórias efémeras porque mais não foram que jogos de exibição.

    O recinto, com as medidas mínimas de 15X30 metros, não era apelativo para provas oficiais, mas lembro-me de se ter falado na sua ampliação para 18X36 metros, igual ao do Parque de Valenças em Sintra, e parecia obra exequível, dado a folga que oferecia o espaço envolvente. Quem na altura possa ter tido a ideia, não foi bem-sucedido.

    Os torneios de Verão de futebol de salão, foram perdendo popularidade até que, pelo menos na Praia das Maçãs, deixaram pura e simplesmente de existir e o ringue foi perdendo a sua notoriedade, apesar de por vezes em jogos do tipo “solteiros vs. casados” ali se encontravam para partidas de ocasião.

    Há alguns anos assisti ao início de obras no recinto que começaram no desmantelamento das tabelas, pensei que se trataria da, há muitos anos falada, ampliação do ringue, mas foi pensamento errado, o que aconteceu foi transformar um recinto que poderia ter mais que uma valência, num recinto de relva artificial, vedado e que só servia para futebol. Pessoalmente não apoiei a decisão de diminuição de valências, mas com a criação de uma escola de futebol que ali ficou sediada, pelo menos o recinto passava a ter movimento… Só que escola teve vida efémera.

    A falta de manutenção das estruturas, levaram à sua degradação, até que, julgo que por medida de segurança, as vedações e as balizas foram desmanteladas e hoje só resta um degradado tapete verde de relva artificial.

    A obra inicial, foi por alguns elogiada e por outros criticada. O tempo veio dar razão aos críticos.

    Tal como o bife raspado com arroz branco dos almoços de dias de praia, o ringue da Praia das Maçãs, não é mais, hoje em dia, que uma memória de Verão.

    Às vezes, sabe bem ter memórias!

    José do Nascimento