Organizações portuguesas pouco otimistas com rumo de negociações

Organizações portuguesas pouco otimistas com rumo de negociações

Organizações não governamentais portuguesas na cimeira do clima da ONU mostram-se hoje pouco otimistas com as negociações na COP26, mas mantêm alguma esperança que os últimos dias tragam avanços em matérias climáticas centrais.

“É importante desmistificar esta ideia que se passou nos últimos dias que os compromissos entretanto anunciados já nos estavam a aproximar muito da meta. Estaríamos certamente mais felizes, mas não é isso que se passa”, disse aos jornalistas o presidente da associação ambientalista Zero, Francisco Ferreira.

No ponto atual, Francisco Ferreira afirmou que com os compromissos de redução de emissões e neutralidade carbónica declarados pelos países subscritores do Acordo de Paris, a meta para manter o aquecimento global até fim do século abaixo de 1,5 graus acima da temperatura média global na era pré-industrial não conseguirá ser cumprida e não está em 1,8 ou 1,9 graus.

“Estamos certamente um pouco acima dos dois graus, falta só saber se olhamos mais para [os compromissos] de curto prazo, integrando 2030, ou para lá disso”, afirmou aos jornalists à margem da cimeira, que decorre em Glasgow.

Mas com certeza, ainda não se está “realmente em linha com aquilo que são os objetivos do acordo de Paris”, salientou.

Nas negociações “tem havido alguns avanços mas têm sido limitados, há esperança ainda que durante esta semana haja compromissos significativos, principalmente na redação da declaração final, que está ainda no início e tem que ser bastante melhorada”.

Entre os pontos que podem ainda ser melhorados, indicou a passagem para um modelo anual de revisão dos compromissos nacionalmente determinados, que é atualmente quinquenal.

Apontou que sobretudo os países menos desenvolvidos continuam “à espera de muitos objetivos que continuam a falhar, a questão do financiamento [climático] acima de tudo”.

“Ainda ontem [segunda-feira], no dia em que se discutiu o mecanismo de [compensação dos países mais pobres por] perdas e danos, pouco ou nada saiu, portanto ainda há aqui alguns dias para concretizar esses resultados”, acrescentou.

Salientou que “é sempre assim em todas as COP, continua sem haver resposta no mecanismo de perdas e danos, na adaptação às alterações climáticas e na resposta às catástrofes continua-se aquém”.

Para José Luís Monteiro, da Oikos, os países do hemisfério sul têm perante si “mais uma COP de promessas” e “mais um ano em que `para o ano logo vemos`”.

Considerou que a falta de acordo sobre o mecanismo de compensação por perdas e danos é “uma grande traição” para os países do sul que subscreveram o Acordo de Paris.

“Uma coisa é falarmos sobre mitigação, adaptação e riscos que aí vêm. Mas temos gente neste momento a morrer por causa das secas, a Beira [em Moçambique] continua destruída por causa do [ciclone] Idai e como é que Moçambique pode reconstruir? Vai endividar-se mais? Já não pode ir pedir mais aos mercados internacionais”, argumentou.

Afirmou que “continuar a criar mecanismos de empréstimo só vai agravar mais a dívida dos países em desenvolvimento”, defendendo antes um “mecanismo de resolução de dívida para os países em desenvolvimento sob a égide da ONU”.

“Vamos continuar nesta guerra de COP em COP e não estou tão otimista quanto estava em outros momentos”, apontou.

A diretora da organização feminina Business as Nature, Susana Viseu, afirmou que as expectativas para a cimeira estavam “colocadas muito baixas”, mas assumiu que houve “pequenos avanços” com compromissos de reflorestação, fim de subsidiação de novas centrais a carvão e limitação de emissões de metano.

Afirmou que é preciso “compensar a desconfiança” que a falta de medidas mais assertivas provocam nos países menos desenvolvidos, que “esperavam sinais claros de compromissos internacionais”.

A COP26 decorre seis anos após o Acordo de Paris, que estabeleceu como meta limitar o aumento da temperatura média global do planeta a entre 1,5 e 2 graus celsius acima dos valores da época pré-industrial.

Apesar dos compromissos assumidos, as concentrações de gases com efeito de estufa atingiram níveis recorde em 2020, mesmo com a desaceleração económica provocada pela pandemia de covid-19, segundo a ONU, que estima que, ao atual ritmo de emissões, as temperaturas serão no final do século superiores em 2,7º C.