José do Nascimento | “Carta de S. Paulo aos Efésios”

Opinião

Há alguns anos, a Ana Maria, minha mulher, aceitou o convite para fazer leituras nas eucaristias dominicais e para se familiarizar com os textos, pedia-me para os destacar pela internet e se possível imprimi-los para melhor os ter à mão.

Apesar de não crente, mas curioso, ao princípio lia os textos e a muitos deles de tal modo os achei descontextualizados com as realidades actuais, que por vezes me apeteceu rasga-los. Para não defraudar a Ana, deixei de os ler, passei a imprimir os textos e de imediato pô-los a disposição de quem deles carecia.

Regressada a casa, após a missa dominical de 22 de Agosto, a Ana parecia desconfortável e aludiu à leitura que lhe coube em sorte, uma carta de S. Paulo, onde as mulheres não teriam tido o melhor tratamento, menorizadas perante os homens. Não me surpreendeu, a igreja católica é conhecida pelo seu conservadorismo.

Posteriormente tive conhecimento de um debate na TVI 24 sobre a leitura, considerada polémica e que calhou à Ana ler. A curiosidade assaltou-me, fui ler o texto e confesso que fiquei chocado. Na carta de S. Paulo aos Efésios pode ler-se em certos passos:

“… As mulheres sejam submissas aos seus maridos como ao Senhor. Pois o marido é a cabeça da mulher, do mesmo modo que Cristo é a cabeça da Igreja… Mas como a Igreja é solicita por Cristo, sejam as mulheres solicitas em tudo pelos seus maridos.”

Sei que que na eucaristia que a Ana assistiu, o texto não teve direito a qualquer explicação, nem prévia, nem à posteriori, o mesmo aconteceu na missa televisionada a que movido pela curiosidade que assisti à gravação. Explicação tentou dar um padre jesuíta interveniente no debate da TVI 24 e que só ontem tive oportunidade de visionar, tentando convencer que o termo “submissas” aparece por problemas de tradução a partir do grego quando a ideia seria de “subordinação”. Parece uma vã tentativa de atenuar o texto da carta, mas se submissão implica posse, nem que seja da vontade, subordinação é o estabelecimento de uma hierarquia onde o homem sai por cima. Ainda menos convincente é quando o padre jesuíta pretende convencer que subordinação aparece no texto com o sentido de coordenação… O meu entendimento não conseguiu ir tão longe!

Para mim, a frase mais chocante do texto e que no debate não foi referida é: Pois o marido é a cabeça da mulher, do mesmo modo que Cristo é a cabeça da Igreja. Nada mais natural que Cristo seja a cabeça da Igreja, foram os seus pensamentos e acções que fundamentaram a sua doutrina, mas quanto ao homem ser a cabeça da mulher, já parece ser demais e isto não é coordenação nem subordinação, é submissão total e contraria as vãs tentativas do padre jesuíta suavizar o sentido do texto! Ser o marido a cabeça da mulher é torna-la acéfala, sem capacidade de pensamento, porque essa é tarefa do homem, quanto à mulher a sua função será só a de executar. Não consigo encontrar outra leitura.

A dado passo da carta de S. Paulo aos Efésios, pode-se ler que os maridos devem amar as suas mulheres. Mas como estas devem ser submissas, logo com o sentido de posse e amar não é possuir, mas sim dar ou entregar, só assim se ama.

Sabemos que a carta de S. Paulo aos Efésios foi escrita há 2.000 anos, até pode ter constituído um passo, bem tímido, na libertação da mulher de então, mas a leitura foi feita em 22 de Agosto de 2021 e tanto quanto se sabe, nas eucaristias desse dia, não foi contextualizada como documento histórico.

O ciclo de leituras repete-se de três em três anos, esta carta de S. Paulo aos Efésios foi lida em 2018, provavelmente se nada se modificar, tornará a ser lida em 2024. Entretanto a Igreja vai recomendado que se reze pelas muitas mulheres privadas de cidadania espalhadas por esse mundo fora, as tais mulheres que S. Paulo refere na sua carta.


José do Nascimento