Dívidas do PSD em Sintra originam guerra no partido

O secretário-geral do PSD entregou esta terça-feira, no Tribunal Constitucional, uma ação de impugnação da decisão do Conselho de Jurisdição do partido que invalidou a decisão da direção de reter quotas dos militantes de Sintra, após dívidas nas autárquicas.

Em causa, está a decisão da Jurisdição que considerou “inválida e irregular” esta retenção de quotas por parte da sede nacional, dando razão à queixa feita pela atual presidente da concelhia de Sintra, Ana Sofia Bettencourt, eleita em 2020, e que alegou não ter tido responsabilidade na escolha do então cabeça de lista do partido à Câmara, Marco Almeida, nas eleições de 2017.

Na ação de impugnação a que a Lusa teve acesso, José Silvano acusa o Conselho de Jurisdição Nacional (CJN) de, mais uma vez, ter “um propósito político”, de ter cometido várias irregularidades jurídicas e, até, de violar os estatutos do partido por invadir competências de outros órgãos do PSD, considerando que a sua decisão é nula e por isso deve ser impugnada pelo TC.

No texto, o dirigente do PSD recorda que, quando assumiu funções em 2018, o PSD registava um passivo de 14,4 milhões de euros e “uma situação patrimonial negativa de cerca de 1,3 milhões de euros”, estando no final de 2017 “em falência técnica”, após o prejuízo registado nas autárquicas de 2017 de cerca de 3 milhões de euros.

Foi neste contexto de “urgência e emergência financeira” que a secretaria-geral emitiu um despacho enquadrado num Regulamento Financeiro que permitiu a retenção de quotas, salientando-se que tal já era prática comum ao nível distrital até 2016.

José Silvano considera também demonstrado que a candidatura de Marco Almeida a Sintra em 2017 foi aprovada pela Comissão Política de Secção, pela Comissão Política Distrital de Lisboa e pela Comissão Política Nacional, embora admitindo que a queixosa, Ana Sofia Bettencourt, atual presidente da concelhia de Sintra, não tenha participado na reunião.

“Com o final das eleições e o apuramento dos resultados eleitorais foram elaboradas as contas de campanha da candidatura aos órgãos autárquicos em Sintra, integrada pelo PSD, tendo-se verificado um ‘buraco’ financeiro de 64.931,75 euros”, refere.

Em 2018, na sequência do referido regulamento, acrescenta Silvano, foi “praticado um ato de gestão no domínio da execução financeira” pela secretaria-geral do PSD, que se traduziu na retenção das quotas pagas por militantes de Sintra (e de outros concelhos e distritais no país, por situações similares), reiterando que “este ato tem respaldo nos regulamentos do partido e acontece por delegação da Comissão Política Nacional”.

Para o secretário-geral, a justificação desta queixa é política, referindo na impugnação que Ana Sofia Bettencourt “não é apoiante de Marco Almeida”, e deixando fortes críticas ao CJN por ter dado acolhimento a esta pretensão.

“Tudo porque há um propósito político. O CJN tem um propósito político de combate à atual direção nacional do partido, como de resto tem sido público”, refere.

José Silvano acusa o CJN de querer estender “o seu braço controlador” e “substituir-se aos demais órgãos estatutários”, querendo “invadir as competências” da Comissão Nacional de Auditoria Financeira (CNAF), o órgão que aprova as contas do PSD e das suas campanhas.

Nesse contexto, Silvano diz que o CJN “ignorou” na sua decisão um parecer que solicitou à CNAF (e que junta ao processo) e onde se refere que “a determinação da retenção de quotas no Partido é uma competência da Comissão Política Nacional e do Secretário-Geral no exercício dos seus atos de gestão financeira exclusivos”.

“É um mero ato de gestão financeira que cabe na competência de ambos”, refere este parecer da CNAF.

O secretário-geral do PSD conclui que a decisão do CJN de invalidar a retenção das quotas é “nula e violadora dos estatutos e regulamentos do PSD” e, por isso, solicita a sua impugnação.

Silvano aponta ainda outras alegadas irregularidades à decisão do CJN: estar assinada por apenas dois elementos (apesar de o órgão ter nove efetivos), poder ter violado a regra do sorteio na distribuição do processo e desrespeitado o princípio do contraditório e, até, de citar um acórdão do órgão jurisdicional do PS como se se tratasse de jurisprudência do Tribunal Constitucional.

Este é mais um capítulo nas divergências que se têm acentuado nos últimos meses entre a direção e o chamado ‘tribunal’ do partido, liderado por Paulo Colaço, e que no último Congresso derrotou a lista apresentada para este órgão pelo presidente Rui Rio, encabeçada por Fernando Negrão (atualmente com o mandato suspenso).

No início de junho, deu entrada no TC um primeiro recurso interposto pelo líder parlamentar do PSD, depois de o CJN ter decidido sancioná-lo com uma advertência, por considerar que quer Adão Silva quer Rui Rio (que não teve sanção) violaram os estatutos do partido por não terem dado seguimento a uma moção setorial aprovada em Congresso que pedia um referendo sobre a eutanásia.