José do Nascimento | Grupos de Risco

    Opinião

    Mal se nasce, entra-se num grupo de risco e o próprio acto de nascer envolve alguns riscos, felizmente cada vez mais controlados.

    Mal se nasce corre-se o risco de nascer no país errado. Esclareço que hoje não me considero ter nascido no país errado, mas sim em época errada. A noção de país errado decerto não é igual para todos, mas no meu conceito é país errado todo aquele que é governado por pessoas não eleitas ou o que é governado por alguém eleito, mas que não passa de um idiota lá colocado por outros idiotas. O maior risco é se a idiotice possa ser contagiosa.

    A minha geração passou por vários grupos e risco, e um dos primeiros que me vem à memória são aqueles que jogavam futebol na rua, onde o principal risco não era a circulação automóvel, mas o aparecimento inopinado de um polícia a pretender confiscar a bola.

    Apesar das vacinas que então já existiam, pertenci ao grupo que se arriscou a contrair algumas doenças, algumas ditas benignas, outras nem tanto e que poderiam deixar sequelas. A mim calhou-me o sarampo e a gripe asiática.

    Pertenci também ao grupo de alto risco constituído por aqueles que tinham de viajar em viaturas não providas de cintos de segurança e a respeito de segurança, esporadicamente frequentei grupos de alto risco onde, por vezes se poderiam dizer, em surdina, coisas improprias na época e poderiam levar a “férias” forçadas e era uma sorte se fossem só férias”.

    Sou também do grupo geracional que passou pelos riscos de uma guerra em África e no meio dos tiros de um lado e doutro e das minas espalhadas nas picadas, as consequências são imprevisíveis, mas corre-se sérios riscos de não se chegar a envelhecer.

    Passada a época dos grandes riscos, a minha geração, pelo menos uma boa parte dela, entrou em fase de estabilidade até que se chegou à idade em que se alguém perdia o emprego, já era demasiado velho para arranjar novo trabalho e demasiado novo para se reformar. Este risco tocou a muitos.

    Com a reforma a minha preocupação passou a ser o viver o melhor possível de acordo com a idade, nunca considerei o envelhecimento um drama, somente uma consequência inevitável e, advogo eu, todas as idades têm os seus encantos, mas inesperadamente entrei noutro grupo de risco constituído por todos aqueles que nasceram antes de 1950. Chegou a pandemia e de repente vi-me dentro deste novo grupo. Já havia anteriores indícios, que tal poderia acontecer, mas confesso que não lhes liguei muito, mas relembro dois exemplos significativos desses indícios:

    1º – Uma senhora com responsabilidades políticas terá dito um dia que o estado não deveria pagar os tratamentos de hemodiálise aos cidadãos com mais de 70 anos. Quem não pudesse pagar… Termino o parágrafo com reticências e sem adjectivar o conceito.

    2º – Um senhor com responsabilidades políticas apelidou os mais velhos de “peste grisalha”.

    Na altura liguei pouco, simplesmente considerei os autores daqueles dois conceitos de cérebros grisalhos.

    A pandemia obrigou ao confinamento possível que foi minimamente aceite por uma grande maioria da população, pelo menos em Sintra isso transpareceu. Até que chegaram as fases de desconfinamento. É na primeira destas fases que aparecem algumas mentes, quiçá grisalhas, a receitar o confinamento obrigatório ao grupo de risco dos mais velhos, mesmo a todos aqueles que, apesar da idade, têm vindo a escapar a patologias agravantes em caso de se contrair a doença, ou seja, decretar prisão domiciliária a todo aquele que faça 70 anos. A medida foi considerada discriminatória. Julgo que houve bom senso, tal como há que haver bom senso neste tempo de maior abertura.

    Em sentido contrário e segundo o que corre em algumas redes sociais, parece que há quem advogue o desconfinamento total do grupo sénior, pois o aumento de óbitos neste grupo de risco poderia vir a equilibrar o orçamento da segurança social… De novo termino o parágrafo com reticências e sem adjectivar o conceito.

    Daquilo que tenho observado, o verdadeiro grupo de risco vem daqueles que, independemente da idade, assumem deliberados comportamentos de alto risco e esses sim, deveriam ser confinados em local adequado a tratamentos psiquiátricos ou mesmo a procedimentos criminais.


    José do Nascimento