José do Nascimento | Passeios Higiénicos

O país e o mundo vivem tempos difíceis que obrigam a decisões também difíceis, como terá sido o recente decretar de estado de emergência no nosso país, algo que vai afetar o dia-a-dia de toda a gente. Algumas medidas são desagradáveis, a esmagadora maioria delas, absolutamente necessárias.

Encontro-me na faixa etária que viu as maiores restrições, sou daqueles que tenho mais de 70 anos, e a tabela dos 70 anos não me parece ter grandes fundamentos científicos, mas sim económicos, a partir dessa idade, já ninguém pode estar em funções laborais por contra d’outrem, só por conta própria. Portanto, os entre 65 e 70 anos deixaram de ser “velhos”, como era uso e costume… e o país não pode parar, como disse o primeiro ministro e, nesse ponto, António Costa tem todo o meu apoio.

Uma das minhas limitações, num futuro próximo, passa pelas saídas à rua que se confinam à aquisição de medicamentos e produtos de primeira necessidade, passear animais e “passeios higiénicos”… Tenho alguma dificuldade em entender o conceito de “passeio higiénico”, mas recordo-me que o meu médico me ter recomendado nunca deixar as minhas caminhadas, por serem mais importantes que qualquer medicamento que esteja a tomar. Caso as minhas caminhadas, que tenciono manter, exceda os limites do “passeio higiénico”, posso vir a incorrer no crime de desobediência e lá terei que escolher a quem desobedecer, às autoridades ou ao meu médico.

Para mim, é bem higiénica a caminhada que descrevi em 2013 que repito de quando em quando e agora partilho convosco:

Entre Sintra e Monserrate

1
Já passados os Pisões,
Ainda antes do Milhões
Jorra a água dos montes
Nascida em várias fontes.
Gotas que escorrem errantes,
Risos e lágrimas de amantes!
Ora corre murmurante
Doce entre patamares,
Ora ecoa trovejante
Até ao rio de Colares.

2
Ainda murmura a ribeira
Já se avista a Regaleira
De imponente estatura,
Destaca-se na verdura.
Do poço solta-se a magia
Em dança de fé e heresia.
Melodia por todo o lado,
Deuses entoam o hino
Ao perfeito rendilhado
Do esplendor Manuelino.
Por amor, nada me enfada
A distância não me abate.
Ainda é longa a estrada
Entre Sintra e Monserrate.

3
Já ficou a Regaleira
E no topo da ladeira
Ouvem-se os ecos e ais
Dos campos de Centiais.
Passo sob o arco triunfal
Tributo a rei de Portugal!
No Penedo da Saudade
Descanso o meu olhar
Voando à sua vontade
Entre Sintra e o mar.

4
Livres escorrem as águas
Que levam as minhas mágoas,
Rebolo no verde manto
E afugento o meu pranto.
O meu destino foi amar-te
Quando te vi em Monserrate!
Cruzei-me com teu olhar
Corro em busca do sabor
Que anseio a encontrar
Nos teus lábios, meu amor!

Por amor, nada me enfada
E a distância não me abate.
Como foi curta a estrada
Entre Sintra e Monserrate

Num futuro próximo, ainda poderei partilhar convosco, algumas outras caminhadas.

José do Nascimento