Expetativas ou a teoria do medo

"Os portugueses têm dado, por várias vezes, exemplo de profunda generosidade e sabedoria. Privilegiam, acima de tudo, o bom senso e a verdade"

Lisboa, 7 de setembro de 2012. Passavam dezanove minutos das dezanove horas. No Palácio de Belém, o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho proferia uma comunicação ao país, em direto, em todos os canais de televisão de informação. Terminara a reunião da quinta revisão ao Programa de Assistência Económica e Financeira a que Portugal se sujeitara e, apesar de terem sido tomadas decisões fiscais sobre a redução do rendimento das famílias, a margem era curta e o caminho era estreito.

Passos Coelho dirigia-se aos portugueses com um intuito: apelar à compreensão de todos sobre as dificuldades que o país atravessava, com a mensagem de que o orçamento para o ano de 2013, cuja preparação se iniciava, não traria melhorias no campo das condições macroeconómicas para as famílias. A “novidade” a comunicar era a insuficiência das medidas anteriormente adotadas e a necessidade de tomar mais medidas dolorosas para o orçamento de Estado do ano seguinte.

Sem forçar qualquer relação de causa-efeito, a comunicação ao país terminara minutos antes do jogo de qualificação da seleção de Portugal na fase de grupos de apuramento para o mundial de 2014. Com grande dificuldade (estávamos a perder aos treze minutos de jogo), lá ganhámos por 2-1 à modesta seleção do Luxemburgo com golos de Cristiano Ronaldo e de Hélder Postiga.

Por certo, nesse serão, o entusiasmo do desporto-rei estava prejudicado pelo sabor amargo da austeridade. Àquela hora, famílias inteiras assistiam ao encontro, com um semblante embargado e com o sentimento de escassez que se traduzia num jogo parco em golos. Portugal “caía na real”. Os que passavam muitas dificuldades, não tinham ambições de pôr fim às suas privações, e os que mantinham a sua condição, deitavam contas à vida sobre o que de lá viria.

Setembro de 2019. À porta de novos jogos da seleção, e com alguns sinais macroeconómicos que sugerem sinais de maior probabilidade de recessão a alguns economistas, o sucedido há precisamente sete anos é o melhor exemplo de que a economia é um mundo de gestão das expetativas. Sendo as famílias o principal alvo da mensagem, e sendo o consumo privado a componente de maior peso (cerca de 65%) na formação do produto interno bruto (PIB), então o resultado daquela noite só poderia ser o que veio a suceder.

O indicador de confiança dos consumidores (saldo da diferença entre respostas positivas e negativas) publicado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), corrigido de sazonalidade, registava, nos três meses seguintes, os valores mais baixos desde que este indicador foi criado (respetivamente, -41,9, -45,7, -46,8). A venda de veículos automóveis caiu para pouco mais de 50 mil viaturas vendidas no segundo semestre de 2012, o valor mais baixo da década. O consumo privado caiu, naquele ano, 3,8%, uma das mais negativas variações anuais do consumo de que há memória. O PIB caía 4%, sendo a segunda maior queda no período da democracia.

E como estamos hoje? No que diz respeito aos indicadores de expetativas dos consumidores, o indicador de confiança apresentava um saldo de -9,5 em março, tendo melhorado consistentemente nos meses seguintes, até -7,6 em agosto.

Isto quer dizer que não temos motivos para preocupações? Temos sempre. Sobretudo quando há ingredientes exógenos que reduzem o clima favorável para o crescimento. E esses devem ser ponderados nas opções estratégicas. Os motivos não devem ser de preocupações. Chamemos-lhes antes “desafios de gestão”. A melhor forma de agravar efeitos cíclicos é acelerar o processo de dramatização.

Os cidadãos, as pessoas individualmente, sabem muito bem “com que linhas se cosem”. Ao responderem positiva ou negativamente sobre as expetativas de evolução das suas vidas, já incorporam os seus anseios e as suas esperanças. Os portugueses têm dado, por várias vezes, exemplo de profunda generosidade e sabedoria. Nem precisam que lhes vendam o paraíso, nem precisam que lhes chamem o diabo. Privilegiam, acima de tudo, o bom senso e a verdade.


Pedro Gouveia Alves
Economista. Presidente do Montepio Crédito.

[Artigo de Opinião publicado no Jornal Económico e no Sintra Notícias]