José do Nascimento | Estacionamento em Sintra

Quem tiver curiosidade de ler o Projeto de Revisão do Regulamento de Trânsito e Estacionamento do Município de Sintra, decerto sairá defraudado porque se debruça quase exclusivamente sobre o estacionamento e esquece o trânsito quase completamente, capítulo que conheceu uma drástica revisão na vila de Sintra em Março do ano transato.

Essa revisão veio resolver alguns problemas, mas veio a criar outros que, se alguns são de difícil solução, outros, por tão comezinhos, só não são resolvidos porque estão à mercê de uma exacerbada soberba de quem nem sequer reconhece os erros, mesmo que evidentes.

A entidade mais citada no projeto de revisão é a EMES EM SA, curiosamente uma empresa municipal que, segundo o Tribunal de Contas, nasceu de forma ilegal e caso as irregularidades não tenham sido corrigidas, dever-se-ia acrescentar à sigla as letras ML de à Margem da Lei. Na realidade à margem da lei actua a EMES em alguns locais não devidamente assinalados como zona de estacionamento tarifado, de que é exemplo a primeira metade da rua José Bento Costa na Portela de Sintra e em locais que não reúnem as devidas condições para que se tarife o estacionamento de que é exemplo a rua Felix Alves Pereira, também na Portela de Sintra.

Uma simples leitura “em diagonal” ao referido documento faz ressaltar alguns pontos a suscitarem sérias críticas, algumas mesmo de repúdio. Eis alguns exemplos:

1 – No Artº 2 – 1 – a), pretende-se a equiparação dos fiscais da EMES às forças policiais no âmbito do trânsito. Além da formação que seria necessário proceder-se, dificilmente se encontra suporte jurídico para os fiscais exercerem policiamento no trânsito para além do estacionamento.

2 – Em q) do mesmo artigo, aparece o conceito de residência principal e permanente, algo que o Código Civil não contempla. Se nos remetermos ao Artº 82 do referido código, estabelece-se o conceito de domicílio ou domicílios habituais, não se limitando a um só. Quem tiver um número plural de domicílios e se ambos estiverem em zonas contempladas pelo estacionamento tarifado, para cada uma delas o residente tem de ter direito a emissão de título de estacionamento.

3 – O nº 12 do Artº 4, o Artº 14 e a) do Artº 42, preveem a possibilidade restrições a trânsito e estacionamento de autocaravanas, algo que não é legalmente sustentável, não só o Código de Estrada não o sustenta, como existem pareceres de quadros da GNR que contrariam a pretensão que tem sido comum a vários municípios. Em Abrantes chegou a realizar-se uma reunião com a autarquia, o comando regional da GNR e o clube local de autocaravanismo, e o resultado foi considerar ilegal, aquela que era pretensão da autarquia. Uma autocaravana é, regra geral, um veículo ligeiro de passageiros, assim consta no livrete, e nenhum veículo nestas condições pode ser interditado. As interdições só podem ser efectuadas mediante peso e dimensões de veículos.

4 – O Artº 12 limita a três por fogo, a atribuição de identificadores como se uma residência pudesse ser proprietária de veículos automóveis. Os proprietários serão os residentes e é a estes que poderá ser limitado o número de identificadores e o número de residentes em cada domicílio, não pode o Município limitar.

5 – Parece imoral que as tarifas a aplicar pela EMES seja de aprovação da Câmara Municipal de Sintra, sendo esta entidade sócia da empresa municipal, logo interessada, conforme proposto no Artº 46 3. Teria um cariz mais isento se a aprovação de tarifas, no caso, fossem aprovadas em Assembleia Municipal.

6 – O Artº 55, debruça-se essencialmente sobre a renovação de dísticos de residente, onde se pretende passar a sua renovação de bi-anual, já de si um exagero, a anual, o que já passa para o nível de violência. Pretender obrigar os cidadãos residentes em zonas de estacionamento tarifado, a todos os anos visitarem as instalações da EMES, parece entrar na área do desrespeito ao cidadão, que passa a ver-se anualmente fiscalizado por empresa municipal. Obsceno e ofensivo! Lembro que a actual tarifário em vigor a que se refere o nº 4 do mesmo artigo, visa unicamente suportar custos administrativos para a emissão do dístico.

7 – O Artº 113 é de cariz claramente inconstitucional, ao fazer caducar antecipadamente a sua validade, alguns dos títulos de estacionamento. Na prática, é um mesmo que emitir uma norma, regulamento ou lei com efeitos retroactivos, pratica muito atractiva para alguns legisladores, mas ilegal.

Provavelmente numa leitura “em perpendicular” em vez de “na diagonal”, poder-se-ia encontrar mais capítulos controversos, sobre a atividade da EMES EM SA, espera-se que não ML, o que seria muito grave, empresa que terá o objectivo romântico de ser de utilidade pública, mas que nunca o conseguiu ser.

Espera-se também que o corpo de fiscais seja perfeito conhecedor do regulamento que gere a sua empresa, coisa que atualmente e em alguns elementos, parece não acontecer, pelo menos assim o deixam transparecer.

Quer se queira quer não, vem aí um novo regulamento de estacionamento para o município sintrense que provavelmente não vem servir os interesses dos sintrenses, mas o que os sintrenses quereriam dos seus autarcas, era que estes lhes devolvessem Sintra.

José do Nascimento