José do Nascimento | Feira de São Pedro de Sintra – Apogeu e Agonia

OPINIÃO | "No largo da feira já não se cospe, nem fogo nem água!"

No século XVIII nasce a feira franca de São Pedro com uma periodicidade anual e para recinto foi escolhido um terreiro a que chamavam de Chão de Maias. Para o nome do recinto, conheço duas possíveis explicações, uma passa por se ter tratado de um campo pejado de giestas que na floração tomam o nome de “maias”.

Uma segunda hipótese passa por ser um recinto onde habitualmente os nómadas ciganos montavam o seu acampamento e o apelido Maia, seria muito vulgar naquela etnia. Hoje é o Largo D. Fernando II, talvez mais conhecido por Largo da Feira.

No mesmo local da anual feira, criada como franca, passou a funcionar um mercado mensal que posteriormente passou a bimensal, e isto, provavelmente já no século XX, mas este é assunto para historiadores e na matéria não passo de curioso. É neste mercado bimensal que estão algumas das minhas recordações que remontam à passagem da primeira para a segunda metade do século XX.

Facilmente se encontram registos fotográficos que documentam a feira nos finais dos anos 40 e da década seguinte que atestam que ali se poderia encontrar quase de tudo e isso fazia com que a relação de algum comércio local com o funcionamento da feira, não fosse totalmente pacífico, algumas vezes sem qualquer razão aparente de que são exemplo as várias diligências do comércio fanqueiro local, que se dizia seriamente prejudicado, mas acontece que na feira a fancaria era inexistente e o que havia era um primórdio do pronto a vestir.

Anos 40 do século passado

Um outro exemplo é dado pelos comerciantes de calçado que quase conseguiram a proibição deste tipo de comércio na feira, limitando os feirantes só à venda de calçado rústico. Com o passar dos anos outro tipo de calçado mais fino, começou gradualmente a aparecer.

O recinto da feira tinha zonas perfeitamente definidas, quem chegava vindo do alto de São Pedro, encontrava as cerâmicas logo depois as frutas e legumes que também poderiam pôr à disposição do cliente algumas gramíneas. Seguiam-se os vendedores de pão rústico e os célebres bolos saloios com erva doce e para junto destes, vieram os vendedores de leitão de Negrais.

Seguia-se depois um pouco de tudo o que se possa imaginar, havia quem vendesse ouro, uma infinidade de bugigangas, fatos de homem e vestidos, roupa interior, brinquedos, produtos de higiene, o calçado, antiguidades, até que se chegava a zona onde animais vivos eram transacionados, desde toda a espécie de animal de capoeira, até às vacas e bois, passando pelos suínos e equídeos.

Ano: 2001

A par do comércio, apareciam frequentemente algumas figuras que animavam os frequentadores da feira, estão neste caso os acrobatas de rua, com maior frequência aparecia o homem que cuspia fogo qual um dragão, os robertos ou teatro de marionetas era uma presença frequente, nunca falhava a cigana que cirandava pelo recinto a tentar ler a sina a alguém e em locais mais recatados era vulgar aparecer o homem da vermelhinha que invariavelmente perdia a primeira aposta, para ganhar todas as outras.

Uma figura que era imprescindível na feira era o homem da banha da cobra que se fazia rodear de alguns passantes e apregoava o seu produto milagroso, que curava todo o tipo de dores, fosse de costas, ciática, todo o tipo de doenças reumáticas, cicatrizava todas as feridas, mesmo as ulceradas, tirava dores de dentes, enfim, com a banha da cobra deixavam de haver maleitas e por isso mesmo, não estava à venda nas farmácias, como curava não era tentável, só o homem da banha da cobra o comercializava e não valia dez, nem oito ou seis, valia cinco e com uma embalagem de bónus. Estas figuras eram os grandes animadores da feira bimensal e que a miudagem de São Pedro não dispensava.

Apesar do gradual desaparecimento do comércio de gado, primeiro pelos animais de maior porte, a feira cresceu em número de ofertas, de tal modo que passou a ser possível mobilar uma casa a partir dali, não me lembro de lá ver cozinhas, mas quartos e salas, estiveram lá disponíveis, foi a época em que a feira se estendeu pelos arruamentos mais próximos, tendo crescido até Chão de Meninos, o que obrigava a quinzenais condicionamentos de trânsito no bairro de São Pedro.

Dizia-se:“Cresceu demais!

O crescimento desmedido acabou por ser controlado e a feira viu-se de novo confinada ao largo D. Fernando II. O que não se esperava é que nos últimos anos, a feira definhasse em ritmo tão acelerado, e quando há dias, após um interregno de não mais que meia dúzia de anos, fui encontrar uma feira que onde muitas das suas valências comerciais, tinham desaparecido por completo, sobreviviam duas bancas de leitão, alguma cerâmica rústica, os legumes e frutas de época, uma amostra da “boutique alcofa” que na passagem do século reinava, e pouco mais.

Ano: 2019

Julgo que mais de metade da área reservada aos feirantes, se encontrava desocupada. Algumas bancas pareciam ilhas no meio de um oceano. Aqui e ali, ainda se ouvem alguns dos velhos pregões como por exemplo “Oh menina venha cá, não paga para ver!” ou “Hoje a cigana está maluca, paga uma mas leva duas!

Será que é um fim por alguns anunciado? Tudo indica que sim, mas a mim vai deixar saudades, como também deixou saudades com o que em miúdo pasmava a ver um homem a cuspir fogo, tal qual o dragão da minha imaginação…

Uma nota final, não da feira, mas do seu recinto: No tempo do homem da banha da cobra, havia o chafariz das rãs que cuspiam água. O chafariz foi desmantelado devido ao calcetamento do largo, uma necessidade que parece bem contestável. Chegaram a aparecer as pedras do tanque de água, quanto às quatro rãs que cuspiam água, nem sinal… No largo da feira já não se cospe, nem fogo nem água!

José do Nascimento