Sintra prestou “homenagem justíssima” a Jorge Telles de Menezes

No Parque da Liberdade em Sintra, foi descerrada uma placa, evocativa da vida e obra desta figura incontornável da cultura sintrense.

Cerimónia de homenagem a Jorge Telles Meneses

O município de Sintra, prestou hoje homenagem a Jorge Telles de Menezes, poeta, jornalista, tradutor, cultor da palavra recitada e musicada e dramaturgo, falecido a 27 de agosto de 2018.

No Parque da Liberdade em Sintra, foi descerrada uma placa, evocativa da vida e obra desta figura incontornável da cultura sintrense.

“Sintra honra-se de homenagear as pessoas ilustres, que lhe dão caráter e trabalharam para a sua imagem e Jorge Telles de Menezes, foi um deles”, disse Basílio Horta na ocasião, acompanhado pela viúva, que leu um poema [Truz! Truz!] mostrando-se sensibilizada e grata pela “homenagem feliz” da autarquia.

“Esta é uma homenagem justíssima”, destacou Basílio Horta, lembrando que “as pessoas só morrem quando deixam de ser lembradas e ele está aqui para a eternidade”.

O monumento está localizado no Parque da Liberdade, num dos terraços em que Jorge Telles Meneses passava e se inspirava, dizem alguns dos amigos, presentes nesta cerimónia que reuniu personalidades e amigos, como o escritor Miguel Real, atores de companhias teatro do concelho, Adriana Jones da Associação de Defesa do Património de Sintra, Fernando Pereira, presidente da União das Freguesias de Sintra, o escritor e historiador, João Rodil, entre outras personalidades.

“Sintra deve honrar os artistas do passado, mas também os do presente e a melhor forma de os honrar é valorizar aquilo que foi a sua vida pessoal e também a sua obra”, disse ao SINTRA NOTÍCIAS, vereador Pedro Ventura, autor da proposta de recomendação, aprovada pela autarquia.

Jorge Telles de Menezes faleceu no Hospital Pulido Valente em Lisboa, no dia 27 de agosto de 2018. Deixou-nos o amor a Sintra na sua poesia.

Sintra no coração

Jorge Telles de Menezes nasceu no Porto, em 1951 e ao longo da sua vida viajou por diversos países de Africa à Europa, mas foi aqui, em Sintra que, nos meados dos anos 80, se fixou e inspirou, tornando-se numa figura incontornável da cultura sintrense.

No campo da sua obra literária, destaca-se na autoria dos livros: ”Numa Cidade Estranha”(1983)”, “Selenographia in Cynthia” (2003), “ Novelos de Sintra” (2010), “Suma Uma” (2015), “Cintra-Babel (2016) e Elegias de Sintra (2018), onde as múltiplas referências a Sintra são uma evidência, não só na perspectiva mística, romântica, lunar, mas igualmente na crítica e na visão alternativa, num manifesto de liberdade e de encontro entre cultura e a oportunidade oferecida pela multiplicidade. Participa e escreve também para algumas revistas literárias, nomeadamente a “Revista  Nova Águia”, onde assina sob o pseudónimo George Till.

Na qualidade de jornalista, actividade que exerceu na juventude, foi director do Jornal de Sintra e fundador da Revista Cultural em plataforma digital “Selene”.

Como tradutor, pois o poeta existente em si exigia uma profissão directamente relacionada com a escrita, trabalhou com inúmeros títulos de autores como: Arthur Miller,William Faulkner, Rainer Maria Rilke, Martin HeideggerMestre Eckhart, entre outros.

Jorge Telles de Menezes foi um divulgador da poesia recitada em múltiplos espaços em Sintra e nas formas mais díspares, sendo fundador e animador de tertúlias literárias, como os Meninos D’Avó (2004) que se mantem activa e com periocidade regular até aos dias de hoje. Procurando por diversas ocasiões a associação da palavra escrita e dita com a música, recorda-se a sua colaboração em espectáculos experimentais com o Grupo “SinTonicLab” nas suas “Pantónicas”.

Na dramaturgia trabalhou com algumas das companhias de Teatro do Concelho de Sintra, destaca-se a sua parceria mais frequente com o Teatro Tapafuros, com os trabalhos “Selenographia in Cynthia”, “Almoinhas – Sentidos Caminhos”, “Peregrinação”, entre outras colaborações pontuais e de incentivo.

O Poeta deixou um vasto espólio, a sua biblioteca onde constam os livros traduzidos e documentos escritos não editados que deverão ser catalogados e reservados num espaço com exposição aberta a investigadores, leitores e ao público em geral.

Na participação e intervenção cívica, na defesa de direitos e pela conquista da liberdade, regista-se o episódio de que no dia 24 de Abril de 1974 sai de casa de um amigo em Sintra com dois antifascistas e lutadores pela independência de Angola para os fazer chegar em segurança à fronteira com Espanha.

Jorge Telles de Menezes esteve presente em todos os movimentos de vanguarda e de inovação estética na actividade cultural com base em Sintra nas últimas décadas, ainda que por vezes de forma bastante discreta, mas sempre inspirado e inspirador.

“Meu destino de ser poeta das tuas luas, ó Sintra azul-luar”
Jorge Telles de Menezes 

Sintra Azul-Lunar

Sim
perguntas-me
e eu respondo-te
querida deusa
sim
é disto que eu gosto
de ser o teu primeiro animal nocturno
de caminhar entre as nuvens da madrugada
pelas ruas desertas
quando o vento açoiteia as folhas de outono

sim
gosto de ser espreitado pelos espíritos da montanha
ocultos nos seus tronos de muros e heras
enquanto eu cantarolo
passando sem temor
sobre o chão molhado pelas lágrimas de uma princesa de névoa

sim
gosto do meu jardim selvagem e das rosas
que se abrem na madrugada para contemplarem diana
banhada pelo luar do solstício de inverno
como na pintura de uma fada do jardim epicureano

sim
gosto deste silêncio e deste assombro só para mim
de ouvir as vozes dos anjos que em coro celebram
num templo perdido no bosque sagrado
meu destino de ser poeta das tuas luas
ó sintra azul-lunar

gosto também meu irmão
sim
da tua mística luz eterna
de ti
que escreveste no aparente silêncio das pedras
a dor escultural da tua busca interior
por um diálogo entre o homem
deus
e a natureza

sim
confesso
gosto das coisas que vivem na penumbra
deste aprender contigo deusa querida
que a vida não acaba com a mera morte
e que o eco das palavras nos teus ventos circulares
ressoará em todas as estações
no ouvido atento do jovem coração
e suas naturais sezões

adianto mesmo amor
sim
que dentro de ti serei eterno
como a aura que circunda teu rosto verde
e se revela sem mácula ao luar
quando te abraço
no leito aberto das
eras e lembranças escritas no teu corpo.

Jorge Telles de Menezes
Azul-Lunar, do livro Selenographia in Cynthia