José do Nascimento | Gastronomia Saloia

Opinião

Uma das tertúlias que periodicamente frequento que é, em jeito de brincadeira, pomposamente apelidada de “Grande Loja Almoçónica de Sintra” e reúne cerca de duas dezenas de membros efectivos.

Num dos mais recentes encontros, como sempre com o prato à nossa frente, discutia-se a gastronomia tipicamente portuguesa desde o Minho ao Algarve, com uma saltada à Madeira e aos Açores, realçando-se a variedade e riqueza das cozinhas nortenhas, as caldeiradas do litoral piscatório, as chanfanas das Beiras, a arte do tempero alentejano, os peixes e mariscos do Algarve, as espetadas daMadeira e o cozido dos Açores. Falou-se de pratos típicos de algumas sub-regiões e um dos confrades menos atento às coisas gastronómicas, atreveu-sea afirmar:

– Aqui por Sintra, tirando a doçaria, gastromicamente não há nada de relevo.

– Enganas-te – Rebati. – Além das queijadas de Sintra, fofos de Belas e nozes douradas de Galamares, existe uma cozinha saloia bem vincada…

Há 100 anos, a Terra Saloia seria aquela que circundava Lisboa pelo norte do Tejo e abastecia a capital dos víveres de que necessitava, tanto animais como vegetais. Os limites a norte, está para muitos no concelho de Torres Vedras, mas o engenheiro José Boléo no estudo geográfico “Sintra e seu Têrmo”, que serviu de dissertação do seu doutoramento, considera os municípios de Sobral de Monte Agraço,  Arruda dos Vinhos e Torres Vedras como Terra Torrejana, diferenciando-a da zona saloia.

Contrariando um pouco José Boléo, Manuel Paquete refere no seu livro “Cozinha Saloia” da Colares Editora, o pastel de Torres Vedras, como um bolo de feijão tipicamente saloio, mas que também existe em Sintra com o nome de pastel da Pena.

No mesmo livro, Paquete menciona um significativo rol de receitas conventuais originárias do convento de Odivelas e o célebre coelho à Porcalhota que Eça de Queiroz refere várias vezes na sua obra e constituía paragem obrigatória para quem viajava da capital para Sintra. A paragem obrigatória do regresso dava-se logo à saída, em Ranholas para se levar à família e amigos, alguns pacotes de queijadas. Com o surgimento do comboio, as fábricas de queijadas mudaram-se para dentro de Sintra.

Pelas ideias atrás postas a escrito, pode-se dizer que até ao início do século XX, a Terra Saloia começava onde acabavam os limites urbanos da Capital.

Hoje, com o brutal aumento populacional e pressão urbanística, principalmente nas linhas de Sintra e Cascais, a Terra Saloia começa a norte da vila de Sintra, abrange parte do Concelho de Loures e a quase totalidade de Mafra excepto a Ericeira que é terra de Jagozes. A origem da palavra jagoz é de tal modo controversa que dificilmente se chegará a consenso, o que se pode dizer é que a convivência entre o saloio, homem do campo, e o jagoz, homem do mar, sempre foi de cumplicidade, note-se que não há caldeiradas em cebolas pimentos e tomates, e um dos pequenos almoços típicos da zona saloia, passava pelo peixe frito na véspera a acompanhar um naco de pão saloio e uma caneca de café.

(…) “um dos pequenos almoços típicos da zona saloia, passava pelo peixe frito na véspera a acompanhar um naco de pão saloio e uma caneca de café.”

Sem precisão científica, dado a minha falta de conhecimentos para tal, julgo ter minimamente definido os limites da Terra Saloia e chega a altura de vermos o nos oferece a sua gastronomia.

A doçaria já aqui foi superficialmente referida, por isso passo à parte salgada da questão. Logo à cabeça surge o leitão de Negrais e a carne de porco à moda das Mercês, prato sempre presente nas barraquinhas de petiscos durante a feira anual daquela localidade.

No reino das sopas, destaca-se, vinda de Fontanelas, a açorda de bacalhau que tem a particularidadeda adição de ervilhas. Nos peixes e mariscos destacam-se as diversas de maneiras de confeccionar o mexilhão do litoral sintrense, para muitos o melhor de toda a costa, ainda um destaque para o bacalhau à Alba Longa tem a particularidade de levar queijo fatiado que lhe dá um cunho especial.

É bem mais extenso o cardápio das carnes que além dos já referidos, o coelho, o leitão e a carne porco, dá-nos conta de um cozido saloio da zona de Loures, mas destaco também as feijoadas de Fanhões e saloia…

A lista das sopas, dos peixes e mariscos, das carnes e toda doçaria, seria bem comprida, mas os exemplos dados chegam para demonstrar que existe uma gastronomia saloia bem relevante, assim haja apetite.

José do Nascimento