A propósito do III Encontro de Veteranos do Hockey Club de Sintra, realizado recentemente, vieram-me à memória uma catadupa de recordações, uma delas com tudo a ver com o meu início como praticante da modalidade, tinha então 12 anos, pelo que estará a fazer 60 anos de ligação ao clube com o qual nem sempre tive uma relação pacífica, já que foram vários os divórcios, mas o espírito Hockey Club de Sintra esteve sempre presente, daí que a cada divórcio, alguns bem prolongados, se seguisse um novo casamento.
Aprendi a patinar aos seis anos de idade e na minha primeira experiência, o velho ringue do Parque da Liberdade, viu-me mais vezes espojado no chão que a tentar equilibrar-me em cima das rodas de cada patim. Curiosamente na segunda tentativa, apesar de alguma apreensão inicial, encontrei-me em perfeita sintonia com os patins e constatar que afinal aquilo até era coisa fácil.
Na época, o Hockey Club de Sintra pontificava na modalidade a par do Paço de Arcos e o Campo de Ourique. A grandes jogos assisti, mas na altura não me sentia cativado para passar de patinador a jogador e um específico lugar, o de guarda-redes, em nada me tentava, mas o destino tem as suas armadilhas e há 60 anos, por iniciativa do meu irmão mais velho, sou convocado a falar com alguns amigos, todos eles jovens hoquistas com a proposta de tornar um deles pois precisavam de um guarda-redes, única forma de poderem participar no campeonato desse ano, dado que o anterior defensor das balizas, mercê da idade, mudara de escalão. À minha recusa inicial, fui bombardeado de apelos à solidariedade e lá me apresentei no meu primeiro treino, num soalheiro domingo de Primavera.
Recebi uma atenção especial do treinador, Cipriano Santos, pois havia muito pouco tempo para me preparar e o campeonato estava à porta. O certo é que agradei e só com quatro treinos de preparação estreei-me oficialmente numa partida realizada em Algés e que a minha equipa ganhou por dois golos contra um. Curiosamente, nesse ano foi a Liga de Algés que ganhou o torneio, só tendo perdido contra o Hockey Club de Sintra. Ganhámos aos campeões, foi um grande feito e logo no meu ano de estreia.
Seguiram-se alguns anos, ininterruptos, três em principiante e outros tantos em juniores, os escalões de formação que existiam na época, até chegarmos a seniores. Nesses seis anos fui sendo apelidado tanto de talentoso como de irreverente. Não nego a minha irreverência, não tanta como a que foi sendo atribuída, na minha carreira de hoquista há histórias muito mal contadas, quanto ao talento, talvez o tivesse, mas confesso, nem sempre tinha vontade de ter talento, e talento sem vontade, dificilmente se vai longe, nem a mim me apetecia ir muito longe, mas cheguei ao topo, titular da equipa sénior do Hockey Club de Sintra com apenas 18 anos, poucos guarda-redes o terão conseguido, talvez o melhor de todos, o Vítor Domingos, o tenha feito, mas esse conjugava um invulgar talento e uma enorme força de vontade.
Quando atingi a idade de sénior e olhando os guarda-redes do plantel do clube, julguei que não valeria a pena continuar, mas já com a época a decorrer, o treinador, Cipriano Santos, de regresso a Sintra, convenceu-me a ir treinar e apenas com quatro treinos feitos recebi a convocação para aquele que seria o meu primeiro jogo. Se aquela convocação já me tinha surpreendido, mais fiquei quando, a uma hora do início do jogo, o treinador me anuncia que iria ser titular…
Foi em Cascais o meu primeiro jogo como sénior onde terei cumprido o que de mim era esperado, e se as coisas me correram bem, muito terei ficado a dever ao quarteto de luxo que tive à minha frente, estavam lá o Carlos Nascimento, Avelino Melo, Rui Faria e José Capote.
Apesar das provocações, talvez a testarem a minha irreverência, as coisas iam correndo bem, até que um excesso por parte de um dos responsáveis do clube foi, no meu entender, merecedor de um pedido de desculpas, acto que foi recusado pelo presidente de então com o argumento de que mesmo que o jogador fosse portador de toda a razão, uma direcção de um clube não se podia rebaixar perante um seu atleta. Eu atleta não me rebaixei a representar um clube com um presidente com aquela forma de pensar e então aconteceu o meu primeiro divórcio que durou seis anos. Durante esse tempo recusei alguns convites para representar outros clubes, mas não me apetecia nada ter de defrontar o Hockey Club de Sintra.
(…) recusei alguns convites para representar outros clubes, mas não me apetecia nada ter de defrontar o Hockey Club de Sintra.
A direcção mudou e eu voltei. Apresentei uma forma física excelente e um refinar do talento que até a mim me surpreendeu, acrescia uma enorme fome de hóquei. Finalmente resolvo aliar o meu talento, que só nessa altura reconheci, com uma vontade de “trabalhar”, qualidade esta que desconhecia possuir. Raramente jogava, era suplente, nada que me surpreendesse, o que me surpreendia era o treinador que, nos dias em que as coisas corriam menos bem para a equipa, vinha pedir-me desculpa por não me ter posto a jogar… Surrealismo puro! Não vou divulgar o nome desse “senhor” – como as aspas por vezes revelam muita coisa – a quem nunca mais diria “bom dia” se com ele me cruzasse na rua e muito menos o cumprimentaria num ambiente hoquista.
Quando por ordem de um delegado da direcção para a equipa sénior e com o beneplácito do treinador, que manifestamente tinha pouca vontade de me colocar em jogo, mesmo quando tal necessidade era evidente, acabei por me ver sem material distribuído para os treinos, sem as caneleiras porque eram de um júnior, as luvas seriam de juvenil e lá para o final do treino, nas noites frias de Sintra, talvez pudesse ter tempo para treinar… O treinador e o seccionista estavam a mandar-me embora. Esta parte da história está muito resumida e escrita numa versão muito “macia”, não desço ao nível daqueles que provocaram o meu segundo divórcio com o meu clube.
Regressei em 1982 para um torneio de veteranos. Não consegui dizer que não aos que nunca foram responsáveis pelas minhas desavenças com o meu único clube, o de sempre.
Nunca o hóquei me soube tão bem! Talvez porque o espírito não era ganhar, mas sim o divertimento de ir jogar “com” e não “contra”, de rever velhos companheiros de modalidade seria o que mais nos mobilizava. Foi o divertimento que terá feito com que a nossa classificação nesse torneio tenha sido excelente. Foram só dois anos, mas valeram bem mais que a minha curta carreira de hoquista nos tempos dos campeonatos oficiais.
Regressei ao contacto com a modalidade nos tempos do jornal A Pena e da Rádio Ocidente, órgãos de comunicação social com os quais colaborei com as minhas crónicas aos jogos do Hockey Club de Sintra e os comentários em directo para a rádio. Estava de novo na minha praia, no hóquei em patins!
Recentemente aconteceu mais um encontro de veteranos que contava com um almoço bem convidativo, mas não fui para comer o “quê” mas sim para encontrar-me “com” e lá estavam alguns dos queria ver.
(…) No passado dia 10 de Junho, em Monte-Santos, encontrou-se a família Hockey Club de Sintra, alguns dos que jogaram comigo, alguns mais antigos e outros que apareceram depois (…)
No passado dia 10 de Junho, em Monte-Santos, encontrou-se a família Hockey Club de Sintra, alguns dos que jogaram comigo, alguns mais antigos e outros que apareceram depois, mas essencialmente com aqueles que nunca jogaram, mas sempre nos apoiaram, tanto nos bons como nos maus momentos, os adeptos, afinal tão hoquistas como aqueles que jogaram.
Venham mais encontros de veteranos, para cada vez nos sentirmos mais jovens!
José do Nascimento