António Luís Lopes | Tempo de Mudança

    (...) "Nada chegará – a não ser a vingança alheia. Não te perdoarão que queiras ser luz no meio de uma sala às escuras." (...)

    “Resistimos. A vida toda. O tempo todo. Do berço à campa. Respiramos. Mantemo-nos à tona de água. De vez em quando uma onda submerge-nos. Resistimos. Voltamos à superfície, ávidos de ar. Atravessamos o tempo. Dos bancos da escola – aos bancos do nosso velório, divididos entre família e alguns amigos. Tempo. A vida toda.

    Dizem que nos é exibida, como um filme (em que ecran?…), nos momentos finais – talvez apenas a pequena apresentação de um outro filme principal que (re)começa, numa outra existência, numa outra cama, numa outra hora.

    Cerramos os punhos. Engolimos a maldade alheia. A inveja. A ingratidão. Amanhã há-de ser melhor. Se calhar fui eu quem não esteve bem. Um dia chegará a minha vez. Iludimo-nos. Iludimos outros, sem querer. Sem querermos. Nada chegará – a não ser a vingança alheia. Não te perdoarão que queiras ser luz no meio de uma sala às escuras.

    Que sejas vertical onde a norma é jazer deitado. Que sejas tu – quando outros são sempre aquilo que alguém quer que sejam. Resistimos. Através da película fina, a lagarta agita-se na misteriosa transformação. Fechamo-nos.

    A borboleta não se anuncia – um dia, rompe o casulo e nasce.”

    António Luís Lopes,
    Deputado Municipal / Líder do Grupo Político do PS na Assembleia Municipal de Sintra