Fernando Morais Gomes | Uma “estória” de futebol

Em dia de fim de campeonato, uma "estória" de futebol | VERMELHOS E AZUIS

Desde que voltara de Angola, retornado do império, Alípio Gomes não mais viajara para fora do país. Bancário, casado mas sem filhos, dividia o tempo entre o balcão em Pêro Pinheiro e despreocupados verões na Manta Rota, num apartamento à época, geralmente em Agosto. Caseiro, a sua grande ocupação era a construção duma vivenda no Sabugo, a dez minutos do emprego, onde com Adelina passava os dias, tranquilo e sem aventuras, os cinquenta iam pesando já.

Certa vez, durante um almoço de colegas, empolgados pela conversa, e pelo Old Parr, um grupo do banco combinou ir a Milão ver o Benfica com o Inter, na era Camacho. Depois do jogo ficariam três dias em passeio. Benfiquistas ferrenhos, lautos almoços passavam lembrando jogos de outros tempos, os mais empolgantes sempre contra os lagartos, se bem que o Antunes da contabilidade, leão acérrimo, sempre lembrasse, maçador, os 7-1 no tempo de Manuel José. Adelina não gostou da ideia, quatro homens em Itália não era algo que lhe agradasse muito, mas lá anuiu, a promessa de perfumes e chocolates amenizou o facto de ficar sozinha, mas teria de lhe ligar todos os dias, e agasalhar-se, que estava a nevar, bem vira na televisão, levar gorro e luvas, e medicamentos para a azia, as massas não a convenciam.

Até partirem, os dias foram passados a combinar detalhes, e em sussurro, as facadinhas no matrimónio que machos latinos haveriam de dar, mal chegados ao aeroporto seria tiro e queda, dizia o Amaral, a barriga obesa da imperial e tremoços a comandar as operações, as caras metade ficariam em casa, sossegadas. À cautela, Alípio até comprou duas caixas de Viagra, nunca usara, mas à solta em terras de Sofia Loren não passaria por certo o tempo a ver o Scala de Milão, há muito que nem à noite saía, só para visitar os sogros na Azambuja.

No dia aprazado lá partiram, livres das mulheres, os colegas que não iam a desdenhar das alegadas facadinhas, já no no aeroporto, juntaram-se à parafernália de cachecóis, prometendo quatro golos sem resposta.

Em Milão nevava copiosamente e batedores da polícia aguardavam para conduzir os autocarros com a falange do Glorioso ao estádio, ao som de “Benfica!” e “SLB!”, desafiador, um fã do Inter profetizava 2-0 com os dedos. O jogo foi logo nessa noite, o Giuseppe Meazza abarrotava de lampiões, numa enorme faixa, lia-se “Pêro Pinheiro presente”, ideia do Pascoal. Já a viagem na Alitália deixara as hospedeiras atarantadas com os gritos de guerra prometendo a vitória dos encarnados, Milão que se cuidasse que não ia ser ópera, mas baile…

O jogo foi renhido, mas contas feitas, o Inter, desmancha-prazeres, acabou ganhando 4-3, o Antunes, a partir de Lourel, enviava mensagens pelo telemóvel, foram de carrinho mas viriam de carroça. Depois do balde frio inicial, era preciso era afogar as mágoas e partir à caça das ragazzas, por certo ansiosas pelos temerários portoghesi, todos primos do Cristiano Ronaldo, menos na barriga, na careca e no resto.

Mais viajado, o Pascoal lá descobriu um bar com show erótico, seria ali, do varão para o sofá e do sofá para a felicidade, o Alípio esfregou as mãos, um Viagra azul estava já de parte. Não que precisasse, mas por causa das tosses, nada como melhorar a performance, no fim elas é que pagariam para estar com eles, iam ver. A Adelina não deu por os ter comprado, era a sua semana de liberdade e a vida são dois dias, afinal. Havia um contratempo, porém, no dancing não aceitavam cartão, só cash, e todos juntos não tinham euros que chegassem. Foram a outro, mas novo percalço: entrada só com sapatos de couro, o Barbosa, suburbano, ia de ténis, coisa de pobre, chingou o Alípio, tinha de ser ele a estragar a festa. Num outro, sugerido por um polícia, os preços eram muito caros, e até para tocar nas bailarinas havia que pagar, o table dance bastante mais caro que nos bares de alterne lá da zona. A coisa estava complicada e acabaram por ir para o hotel e alugar filmes para se entreterem nos quartos.

No dia seguinte, a descoberta da cidade, e pela tarde, passeio até ao Lago de Garda, paisagem de postal com pitorescas aldeias. Aí chegaram noite cerrada, o hotel ficava num vilarejo onde fechava tudo às dez, imperiais só no hotel, ficaram à conversa sobre a equipa do Benfica dos anos sessenta com o barman, adiado, o comprimido azul era um peso morto na bagagem. No último dia, de volta a Milão, o dinheiro escasseava já, e havia que comprar a prenda para a Adelina, a miragem da facadinha cada vez mais miragem, ao Antunes haveriam de contar aventuras tórridas, para o lagartão se babar de inveja, quando voltassem.

Apesar dos dias bem passados, a prometida investida transalpina ficara-se pelo convívio, valera a pena, apesar de tudo, no avião de regresso até encontraram o Toni, velha glória dos encarnados, que também ficara uns dias.

Regressado à rotina e entregue a prenda à Adelina, os relatos no bar do Hélder asseveravam a facilidade com que haviam conquistado a Itália, apesar do penalty que não foi penalty. Nos dias seguintes, o quotidiano do banco, as baboseiras do Antunes, o regresso às obras no Sabugo. Três dias depois, ao jantar, a Adelina apareceu branca como a cal da parede:

– Estás bem, amor? Já eram saudades do maridinho, não eram? – confortou, dando uma garfada nas batatas fritas.

– Não, não. Não sei o que tenho, estou com uma enxaqueca terrível. Olha, até tomei um daqueles comprimidos azuis que levaste na viagem, para as dores de cabeça. Mas não ajudou, até acho que fiquei pior!

Quase engasgado e com o bife entre dentes, correu ao quarto e escondeu as malfadadas embalagens numa caixa de sapatos, faltava só um, felizmente. Não houvera aventura italiana, mas ou se enganava muito ou uma noite agitada e acalorada viria pela frente no frio Abril do Sabugo.

 

Fernando Morais Gomes,
Fundador da Alagamares e do Núcleo do Sporting de Sintra