Matias Aires “O Homem, Vida e Obra” – Trezentos anos depois

MEMÓRIA | Encontro sobre, Matias Aires - “O Homem, Vida e Obra”

Palacete onde residiu José Ramos da Silva e seu filho Matias Aires

Nascido em São Paulo, no ano de 1705, Matias Aires deixa a sua terra natal, em 1716, acompanhando os seus pais e irmãs na viagem de torno ao reino. Cumpriu-se assim, em 2016, trezentos sobre a sua chegada à Lisboa, setecentista.

Aliás, a efeméride foi, justamente, relembrada em Encontro sobre Matias Aires, tendo como subtítulo, “O Homem, Vida e Obra”. A organização foi a responsabilidade dos professores de Filosofia da Escola Secundária Matias Aires (ESMA), de Agualva. A iniciativa realizou-se na Casa de Cultura Lívio de Morais, em Mira Sintra, no dia 28 de Março de 2017.

No painel de oradores, marcaram presença Miguel Real, escritor; Rui Oliveira, investigador de História Local Sintrense e Jorge Trigo, também, investigador de História Local e da vida e obra de Matias Aires.

Repescamos alguns elementos da apresentação de Rui Oliveira [na foto], fundamentada em documentação como é timbre deste investigador, e, esboçamos o quadro familiar em que Matias Aires viveu. Começamos por seu pai: José Ramos da Silva, aliás Landro Ramos da Silva; como consta do Livro de Registos de Batismo da Freguesia de São Miguel de Beire (Paredes).

Matias Aires

Ora precisamente da leitura desse registo verificamos que o Leandro (mais tarde José, porque mudou o primeiro nome quando celebrou o Crisma), era filho de Pai incógnito, isto é: desconhecido. Por sua vez a Mãe, Maria da Silva, tinha sido enjeitada, isto é: deixada em instituição de acolhimento de órfãos ou crianças abandonadas.

Isto dito ou escrito assim, é atroz; mas era uma realidade nesses tempos os filhos bastardos eram aos milhares e, muitos deles, filhos das Fidalguias locais que não podiam assumir, legalmente, esses deslizes, mas que ao longo da vida desses filhos bastardos cuidavam e até acabavam por os incorporar nos negócios e interesses locais das famílias. É manifestamente o caso de José Ramos da Silva que, lembramos, começou por se chamar Leandro; situação que este acaba por relevar no seu testamento, segundo nos revelou Rui Oliveira.

O Principal é que, José Ramos da Silva, aprende a ler e escrever muito bem e, ainda miúdo de pouco mais de 12 anos, embarca no navio Bom Jesus de Vila Nova e Nossa Senhora da Conceição, que então navega intensamente entre o Brasil e Portugal em comércio. Aqui entram aspectos comuns a muitos outros portugueses nas paragens do Brasil. José Ramos da Silva, por esforço de seu trabalho, e acasos históricos, ganha uma enorme fortuna com ouro e diamantes do Brasil em negócios com os Bandeirantes de fornecimento de géneros alimentares para o interior do Brasil. Casa com uma senhora da sociedade local, a Catarina de Orta, de ascendência portuguesa por parte dos pais e, índia por parte dos avós maternos.

A família nuclear de José Ramos da Silva comporta a sua esposa, D. Catarina de Orta Eça e os seus três filhos, respectivamente: Matias Aires, filho varão; Catarina Josefa e Teresa Margarida. Família que, ao viajarem para Lisboa, se comportam como actores agindo em função do ambiente Barroco que na Capital do Império tem o seu esplendor e, no qual, todos tentam ter lugar nessa representação quotidiana.

José Ramos da Silva com a sua fortuna colossal entra em negócios vários, emprestando dinheiro, sobre bens em penhora, arremata a Provedoria da Casa da Moeda de Lisboa a Dizima da Alfandega de Rio de Janeiro, por três anos. É nomeado representante do Senado, ou seja da Câmara, de São Paulo. Paralelamente tenta a nobilitar socialmente a família; tarefa de grande despesa para tão fracos e tardios resultados.

Neste ambiente Barroco de excessos, turbilhão de vaidades e ostentações mais formalistas do que interiorizadas, cresceu o adolescente Matias Aires e a sua irmã Teresa Margarida, uma vez que a Catarina Josefa, acata a vontade do pai, e recolhe-se no Convento das Trinas e posteriormente no de Odivelas.

Reflexões Sobre a Vaidades dos Homens

Matias Aires, busca ansiosamente a sua aceitação e promoção social e essa luta constante, acabará por se refletir na sua mais conhecida obra literária: Reflexões Sobre a Vaidades dos Homens. Um exercício filosófico muito crítico, que conheceu várias edições.

Mas voltando à mocidade de Matias Aires. Sabemos que em 1726-1727 é condenado a quatro anos de degredo em Castro Marim no Algarve por ter golpeado a língua de uma escrava. Sai do reino e vai para Paris estudar acabando o Curso de Direito Civil e Canónico que tinha iniciado em Coimbra, em 1722. Nessa viagem e estadia no estrangeiro convive, amiúde, com o Infante D. Manuel Bartolomeo, irmão de D. João V; que posteriormente será seu vizinho em Belas, no antigo Paço Real.

As suas tentativas de ascensão social, pela via do casamento também não surtem efeito; chega mesmo a solicitar a um amigo que lhe encontre, em França, uma esposa educada em convento. Temos notícias, também, de um casamento por procuração com D. Genoveva Antera de Noronha, senhora de 22 anos, mas que foi dissolvido por não consumado.

Neste ambiente Barroco de excessos, turbilhão de vaidades e ostentações mais formalistas do que interiorizadas, cresceu o adolescente Matias Aires e a sua irmã Teresa Margarida

Cada Vez mais consciente dos níveis sociais Hierárquicos, para ele, inultrapassáveis; exposto em número considerável de processos vários em tribunais da época que perde, como por exemplo o que lhe foi movido pela sua Irmã mais nova Teresa Margarida, sobre o direito à herança paterna, Matias Aires refugia-se na escrita e no Palacete da Agualva, herdado do Pai. Tem dois filhos, o José e o Manuel Inácio, de uma relação não oficializada por casamento, com Helena Josefa da Silva.

Do ponto de vista económico, apesar de herdar o Cargo de Provedor da Casa da Moeda de Lisboa, do pai, bem, como outros negócios, Matias Aires nada acrescenta de significativo à colossal fortuna herdada.

Morrerá em 1763, e sepultado na capela da família no palacete da Agualva, como consta do Registo de Óbitos da Paróquia de Belas.

Nuno Diogo / Sintra Notícias