O secretário-geral das Nações Unidas designado, António Guterres, garantiu hoje que não terá «nenhuma agenda a não ser a da Carta das Nações Unidas» e que privilegiará uma «abordagem humilde» à atual complexidade do mundo.
No primeiro discurso na Assembleia-geral da ONU, após aclamação como 9.º secretário-geral das Nações Unidas, que iniciará funções em 1 de janeiro de 2017, António Guterres repetiu as duas palavras que resumem o que sentiu quando soube da decisão tomada pelo Conselho de Segurança de o indicar para liderar a organização internacional: “gratidão e humildade”.
Mas agora juntou-lhe “um profundo sentido de responsabilidade”, garantindo que não terá “todas as respostas”, nem imporá opiniões.
O antigo primeiro-ministro sublinhou ter “um conhecimento profundo” das limitações do cargo e dos desafios para a organização e garantiu que vai trabalhar como “um convocador, um mediador, um construtor de pontes e um intermediário honesto para ajudar a encontrar soluções que beneficiem todos os envolvidos”.
Recordando a sua experiência de dez anos à frente do Alto Comissariado das Nações Unida para os Refugiados (ACNUR), reconheceu que é legítimo perguntar “o que aconteceu à ‘dignidade e valor da pessoa humana’”.
No discurso, Guterres concentrou-se na paz, “a grande ausente” do mundo de hoje. “Sem paz, não podemos garantir o desenvolvimento sustentável e o respeito pelos direitos humanos”, vincou.
“Quando estudava História no liceu, e com paixão, quase todas as guerras terminavam com vencedores. Mas os conflitos atuais não conhecem mais nada além de perdedores”, distinguiu, sublinhando que “as guerras parecem intermináveis, são mais e mais complexas e interligadas e alimentam o ódio e o terrorismo”.
E voltou a assumir o “profundo sentido de responsabilidade” de que já tinha falado antes: “É nossa responsabilidade coletiva acabar com este estado de coisas.”
Consciente das “diferentes visões” e dos “interesses legítimos por vezes divergentes” dos Estados que compõem as Nações Unidas, Guterres afirmou que “as ameaças” atuais à “segurança coletiva” impõem a prevalência de “um interesse comum”. Sobre isto, Guterres deixou um apelo: “Unamo-nos pela paz – esta é a exigência mais premente dos cidadãos do mundo que devemos servir.”
Sem mencionar diretamente os escândalos que envolvem as forças de manutenção de paz – nomeadamente os abusos sexuais na República Centro-Africana e a epidemia de cólera no Haiti –, o próximo secretário-geral convocou os Estados-membros e todas as estruturas da organização a impedirem que “comportamentos repugnantes danifiquem o heroísmo ao serviço das Nações Unidas”.
Guterres não deixou de fazer referência à igualdade de género – no contexto em que uma parte da comunidade internacional reclamava uma mulher para a liderança da organização –, sublinhando que há muito conhece “os obstáculos que as mulheres enfrentam na sociedade, na família e no trabalho” e que tem testemunhado “a violência a que estão sujeitas”.
No discurso, Guterres garante que “a proteção e a capacitação das mulheres e das meninas vão continuar a ser uma prioridade” durante o seu mandato, que terminará a 31 de dezembro de 2021.
Num discurso em inglês, espanhol e francês, Guterres elogiou “a notável demonstração de consenso e unidade” em torno da sua eleição e também “a transparência e a abertura do processo de seleção”, para concluir que venceu, antes de tudo, “a credibilidade” das Nações Unidas.
As únicas palavras que disse em português – língua não oficial nas Nações Unidas – foram “muito obrigado”, mesmo no final da intervenção.
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