Júlio Cortez Fernandes | Participar na vida política local

40 Anos do Poder Local Democrático | INICIATIVA DA ASSEMBLEIA MUNICIPAL DE SINTRA

"Sempre quis ser autarca, consegui. Gostaria de dizer a todos os concidadãos que com o seu voto me elegeram, Obrigado"

Quatro décadas são muito tempo, parece que foi ontem, a revolução de 25 de Abril de 1974 permitiu mudanças profundas na sociedade portuguesa, principalmente a possibilidade da convivência democrática, e exercício pleno da cidadania.

Espartilhado pela vigência do código administrativo de 1936-1940, embora estivesse estipulada a sua revisão em 1960, manteve-se em vigor até à restauração do regime democrático. O código, à semelhança do governo ditatorial do estado novo, orientava a vida política local numa perspectiva centralizadora e coarctava a participação das populações.

Alexis  Tocqueville, no famoso livro “A Democracia na América” escreveu: “As instituições municipais estão para a liberdade como as escolas para o saber. Põem a liberdade ao alcance do povo, afeiçoam-no ao seu uso moderado, habituam-no a servir-se dela. Sem instituições municipais uma nação pode facultar uma grande liberdade, mas não tem o espírito da liberdade”.

Em Portugal, a institucionalização do poder local democrático deu ao povo possibilidade de participação, e estabeleceu modo de confronto e convivência fundamentais ao exercício da democracia.

Um dos grandes bloqueios da sociedade portuguesa, antes de Abril de 1974, era a impossibilidade de participação em órgãos democraticamente eleitos para governo das comunidades locais, através de partidos políticos que livre e legalmente pudessem propor programas de melhoria das condições de vida dos cidadãos.

"Sempre quis ser autarca, consegui. Gostaria de dizer a todos os concidadãos que com o seu voto me elegeram, Obrigado"
“Sempre quis ser autarca, consegui. Gostaria de dizer a todos os concidadãos que com o seu voto me elegeram, Obrigado”

Sempre desejei participar na vida política local, porque pensava, e continuo a pensar, que é o meio adequado para resolver os problemas de proximidade; o poder central, distante, muitas vezes nas mãos de agentes, cuja acção é moldada por processo histórico e mentalidade, contrários ao espírito da autonomia local, não tem capacidade nem empenho em resolver.

Quando surgiu o ensejo de participar na vida autárquica, tal qual os homens da minha geração sentiam, considerei ser a hora de participar com espírito aberto e mãos limpas no trabalho autárquico e metemos os pés ao caminho.

O concelho de Sintra onde habito desde 1973, estava nos primórdios da revolução de Abril, carenciado das infra-estruturas básicas e sujeito a pressão urbanística colossal.

Em 1976 o abastecimento de água era deficiente, em diversas zonas, faltava água quotidianamente, muitos munícipes quando regressavam do trabalho a casa, deparavam com água sem pressão suficiente nas torneiras. Primeira decisão do executivo resultante das eleições autárquicas de 1976, maioria absoluta pertencente ao Partido Socialista, a construção urgente de reservatórios para armazenar o precioso líquido e minorar o problema. Foram construídos na Rinchoa, Mercês e Ranholas, melhorou a situação. Outras infra-estruturas igualmente insuficientes, o fornecimento de energia eléctrica, lembro ter assistido a inauguração da “electricidade” na aldeia de  Almorquim. A iluminação pública sem condições, e potência fornecida aos consumidores sem qualidade, impedia o uso adequado dos electrodomésticos. A autarquia nunca deixou de reclamar junto da entidade detentora da concessão da EDP, melhoria do serviço prestado.

Os aglomerados urbanos denominados ao tempo “clandestinos “ foram, igualmente, preocupação da autarquia sintrense no início do poder local democrático. Não só assunto de planeamento urbanístico mas também questão de saúde pública, falta de saneamento básico, e ineficaz isolamento das fossas individuais para onde eram drenados os efluentes domésticos, inexistência de abastecimento público de água, obrigando recurso a furos artesianos e poços, escorrência de líquido das fossas que dava origem ao inquinamento das águas, grave problema de saúde pública.

A acção da autarquia concelhia, na época, desenvolveu-se também no sector da cultura com propósito de se vincar o sentimento de pertença a uma comunidade com identidade e tradições próprias, habitando território singular. O executivo de maioria socialista da Câmara Municipal sob a presidência do Coronel Júlio Baptista dos Santos deliberou criar, em 1978, os serviços culturais.

Neste capítulo recordo um curioso episódio relacionado com a colocação da placa que assinala, no padrão do Cabo da Roca, o ponto mais ocidental do Continente Europeu, aprovada pelo executivo mediante proposta de minha autoria. O Vereador Brigadeiro Machado de Sousa, no mandato autárquico imediato, mandou executar a deliberação, com sentido de rigor que caracterizava a sua acção, solicitou ao Instituto Hidrográfico observação, no local, para os elementos que figurassem na “memória” fossem correctos e adequados.

Sempre desejei participar na vida política local, porque pensava, e continuo a pensar, que é o meio adequado para resolver os problemas de proximidade

Tivemos sempre em mente que a actividade autárquica deve orientar-se para a resolução concreta das aspirações das populações. Naquele tempo, número significativo das vias urbanas do concelho não dispunham de passeio, desse modo não eram ruas, e sim estradas. Não calculam a persistência necessária, no sentido de ver executado o passeio de um dos lados da Estrada de Chão de Meninos, desde o início da Rua Albino Baptista até ao Largo Formigal de Morais. Valeu a pena. E talvez fosse conveniente mudar o nome da via de estrada para rua… agora que tem passeio.

Igualmente difícil a concretização da nossa proposta para abertura de ligação, Rio de Mouro cemitério paroquial, atravessando a mata existente, surgiram objecções, legítimas, mas sem fundamento. Obra de utilidade local e concelhia, permitiu também acesso entre Rio de Mouro e Cacém sem percorrer obrigatoriamente o IC19.

Outro episódio que marcou a minha actividade de vereador, o “encerramento “ da Rua Daniel Lopes, na Agualva, para construção das instalações de natação da corporação dos Bombeiros Voluntários da Agualva Cacém. Exercia o cargo de Presidente Substituto; o Coronel Baptista dos Santos solicitara suspensão de mandato, por motivos de saúde, fui chamado a substitui-lo, era o elemento a seguir na lista vencedora. Assinei o documento estipulando o “fim” da rua. Levantou polémica, lembro o incómodo que me causou.

A obra concretizou-se; quando os Príncipes de Gales visitaram Portugal, a princesa Diana, escolheu a piscina da “Rua Daniel Lopes” para as “braçadas “ matinais. Fiquei contente, afinal quando acreditamos na justeza das decisões o resultado é compensador. Hoje a utilidade da deliberação é inquestionável.

A actividade desenvolvida nos órgãos da Câmara Municipal, Assembleia Municipal, Assembleia Metropolitana, e Assembleia de Freguesia de Rio de Mouro, está documentada nas actas das sessões, tenho consciência que o resultado do trabalho beneficiou o quotidiano dos cidadãos.

Finalmente, o poder local teve importância decisiva na consolidação do regime democrático restaurado pela Revolução de 25 de Abril de 1974, liberdade reconquistada pela acção dos bravos capitães do Movimento das Forças Armadas.

Os eleitos para autarquias, milhares em todo o País, com a sua participação deram contributo relevante para restabelecer convívio e confronto democráticos, as diferentes propostas dos partidos políticos, apesar de diálogo e argumentação por vezes mais “vibrante”, nunca foram obstáculo, pelo contrário, foram o caminho adequado à democratização plena do nosso sistema político.

O convívio com pessoas de ideais e origem social diversos, contribuiu para enriquecimento da minha personalidade. Tive adversários com os quais esgrimi argumentos e dirimi conflitos, inimigos se deixei alguns, desconheço, granjeei amigos. O poder local democrático do Concelho de Sintra, e Área Metropolitana em que participei e continuo acompanhar, representou a realização de um objectivo. Sempre quis ser autarca, consegui. Gostaria de dizer a todos os concidadãos que com o seu voto me elegeram, Obrigado.

Júlio Cortez Fernandes,

Vereador da Câmara Municipal de Sintra (1977-1979) – (1979-1982). Presidente Substituto da Câmara Municipal de Sintra, Março a Julho de 1978. Deputado Municipal Assembleia Municipal de Sintra de 1992 a 2003, líder da bancada do Partido socialista durante diversos mandatos. Deputado da Assembleia Metropolitana de Lisboa. Vogal,  Assembleia de Freguesia de Rio de Mouro, dois mandatos, líder do grupo do Partido Socialista. Agraciado em Junho de 2002, com a “Medalha de Mérito Municipal 1º Grau Ouro. Medalha de mérito da Freguesia de Rio de Mouro, Julho de 2007.