José do Nascimento | Ver o Centro Histórico de Sintra viver 60 anos

(...) "O trânsito automóvel era bastante reduzido nos anos 50 e 60, até mesmo na década de 70, e o estacionamento não constituía qualquer problema, situação que com o andar dos tempos se veio paulatinamente a agravar-se até que recentemente se tornou insuportável e a exigir medidas drásticas." (...)

No tempo em que a década de 50 do século passado já caminhava para o fim, Sintra situava-se pacatamente a uma hora de comboio de Lisboa. Foi por essa época que a minha família saiu de São Pedro e aportámos à Vila-Velha onde conheci uma realidade diametralmente oposta à de hoje. O principal motivo da nossa mudança terá sido o facto de tanto eu como os meus irmãos estarmos a estudar no Externato Académico de Sintra e assim ficávamos bem mais perto da escola.

O Centro Histórico de então apresentava uma economia baseada num comércio quase unicamente destinado aos residentes da zona, animando-se um pouco mais com os visitantes de fim-de-semana e nos meses mais fortes de Verão, quando Sintra começava a receber os veraneantes que, na maioria, eram sempre os mesmos ano após ano.

Das memórias que ainda conservo, lembro-me de sectores do comércio, que pelo andar dos anos desapareceram completamente. Estão neste rol os cinco talhos que existiam, um mercado municipal, quatro mercearias, três barbeiros, três papelarias, duas farmácias, um hospital, duas lojas de fazendas e retrosaria, as oficinas de um correeiro, de um funileiro, de um mecânico de automóveis e ainda um ferrador.

“Das memórias que ainda conservo, lembro-me de sectores do comércio, que pelo andar dos anos desapareceram completamente” | Foto: José do Nascimento – arquivo

Eram várias as tascas que serviam de ponto de encontro de uma vasta população masculina, onde se aproveitava para dois dedos de conversa, beber um copo, roer qualquer petisco e para as partidas de dominó e de cartas. Hoje seria impossível, mas na altura existiam no Centro Histórico dois postos de abastecimento de combustível.

Na época já não funcionavam os hotéis Vítor e Costa, mas o Central, o Neto e o Nunes floresciam. O último foi mais tarde demolido para dar lugar ao, na altura polémico, hotel Tivoli-Sintra. O Lawrence’s tinha mudado de nome para Estalagem dos Cavaleiros para renascer mais tarde com o seu nome primitivo.

Um único bazar de recordações chegava para as encomendas, hoje pululam por toda a Vila e, a par da restauração e da incontornável Piriquita, constituem a base do comércio local de hoje. O comércio tradicional tendo os residentes como público-alvo, aos poucos foi mudando e passando a ter o turismo como objectivo.

Um único bazar de recordações chegava para as encomendas, hoje pululam por toda a Vila e, a par da restauração e da incontornável Piriquita, constituem a base do comércio local de hoje.

Paralelamente a população residente foi-se reduzindo, vá-se lá saber se foi porque deixaram de ter tudo o que precisavam à mão de semear, se o comércio mudou por falta de público-alvo, ou ainda porque o turismo se tornou mais aliciante para se manter um negócio mais fácil e rentável. Estou em crer que a última hipótese foi a que mais pesou e as outras duas repartirão as responsabilidades em partes iguais.

Um outro factor a pesar na progressiva ausência de residentes na zona do Centro Histórico tem a ver com o “boom” do alojamento local, bem mais aliciante para os proprietários que o arrendamento.

O trânsito automóvel era bastante reduzido nos anos 50 e 60, até mesmo na década de 70, e o estacionamento não constituía qualquer problema, situação que com o andar dos tempos se veio paulatinamente a agravar-se até que recentemente se tornou insuportável e a exigir medidas drásticas.

(…) edis da época preferiram voltar os seus olhos para o bairro da Estefânia e cortaram o trânsito automóvel na avenida Heliodoro Salgado numa expectativa falhada de dar uma nova vitalidade comercial à zona. Hoje mais parece uma China Town.

Já nos anos 90, com Sintra a ganhar o estatuto de Património da Humanidade, se falava na necessidade de tornar o Centro Histórico como uma área essencialmente pedonal, mas os edis da época preferiram voltar os seus olhos para o bairro da Estefânia e cortaram o trânsito automóvel na avenida Heliodoro Salgado numa expectativa falhada de dar uma nova vitalidade comercial à zona. Hoje mais parece uma China Town.

As medidas drásticas atrás referidas, com atraso de alguns anos, acabaram por ver a luz do dia, com méritos e deméritos que num futuro próximo pretendo vir a comentar e dar a minha opinião, que pode não ter valor para muitos, mas tem para mim.

 

José do Nascimento